PENSAMENTO PLURAL O silêncio do Brasil diante do Nobel de Maria Corina Machado, por Palmarí de Lucena

Em seu comentário, o escritor Palmarí de Lucena repercute a concessão do Nobel da Paz a María Corina Machado, por expor a coragem de quem enfrenta a tirania e o silêncio de quem deveria defender princípios universais. “Lula e o Itamaraty, presos à ambiguidade moral e ao medo de contrariar aliados, omitiram-se diante de um gesto de resistência democrática”, adverte. A neutralidade diplomática, nesse caso, revela-se cumplicidade. Democracia não tem lado — tem caráter. Confira íntegra…

O Prêmio Nobel da Paz concedido a Maria Corina Machado não premia uma ideologia, mas uma coragem. Celebra a determinação de uma mulher que enfrentou o autoritarismo de Nicolás Maduro e reafirmou o direito de seu povo de votar livremente. É, antes de tudo, uma homenagem à integridade moral e à resistência civil — virtudes raras em tempos em que a política se tornou espetáculo e a diplomacia, cálculo.

Houve tempo em que o governo Lula aspirava, ainda que discretamente, a um reconhecimento semelhante. O desejo nunca foi anunciado, mas era nítido entre seus seguidores: a crença de que a busca pela neutralidade diplomática e o combate à fome poderiam render ao presidente um Nobel da Paz. Era uma aspiração compreensível — e, em certa medida, honrosa. Da mesma forma, Donald Trump chegou a insinuar que merecia o prêmio por intermediar acordos internacionais. Ambos confundiram, porém, o prestígio da política com o mérito moral da coragem.

O Nobel raramente consagra estadistas. Ele distingue quem desafia o poder, não quem o administra. Premia atos de resistência individual, não estratégias de governo. É por isso que nomes como Malala Yousafzai, Muhammad Yunus e as mulheres iranianas encontraram espaço em Oslo. O prêmio pertence aos que, sem aparato nem exércitos, ousam enfrentar estruturas de opressão. Nesse sentido, o reconhecimento a María Corina Machado tem valor universal: é uma celebração da dignidade humana diante da tirania.

O mais lamentável, contudo, é o silêncio de Lula e do Itamaraty diante desse feito. Nenhuma nota oficial, nenhuma palavra de solidariedade, nenhum gesto simbólico. A ausência de reação fala alto. Revela uma diplomacia prisioneira de sua própria ambiguidade moral — hesitante em aplaudir a coragem alheia quando ela desafia um aliado ideológico. Em nome da “neutralidade” e da “não intervenção”, o Brasil cala quando deveria afirmar princípios.

Essa omissão tem custo. O país que já foi exemplo de moderação e mediador respeitado em conflitos internacionais hoje parece temer tomar posição diante de regimes autoritários, sobretudo quando estes se abrigam sob o rótulo de esquerda. O resultado é um constrangimento moral: a defesa da democracia se torna seletiva, e a neutralidade se converte em cumplicidade.

Democracia não tem lado, mas tem pilares: Estado de Direito, liberdade de expressão, eleições limpas e respeito às instituições. São fundamentos universais, não bandeiras partidárias. Defender María Corina Machado — uma mulher de direita — é, nesse sentido, defender o direito de todos à voz e ao voto. É um gesto de coerência ética, não de alinhamento ideológico.

Enquanto Trump ameaçava deslegitimar o Nobel se não fosse laureado, Machado recebia a notícia do prêmio com serenidade e fé na reconstrução de seu país. Um contraste eloquente entre vaidade e coragem, entre ambição pessoal e dignidade pública.

O silêncio de Lula e do Itamaraty, portanto, não é apenas uma omissão diplomática: é um erro de caráter histórico. Porque, em tempos de autoritarismo e cinismo político, calar-se diante da coragem é também uma forma de desistir da própria democracia.

 

Os textos publicados nesta seção “Pensamento Plural” são de responsabilidade de seus autores e não refletem, necessariamente, a opinião do Blog.