PENSAMENTO PLURAL Os cristãos novos e a nova onda de ter um pé na Europa, por Laura Berquó
A advogada Laura Berquó aponta, em seu texto, uma tendência crescente, em que brasileiros com alguma ancestralidade sefardita (judeus de Portugal e Espanha) vêm aplicando para obter a cidadania europeia. Mas, ela pondera: “Acho interessante o brasileiro sempre buscando suas origens no que lhe convém, mas não no sentido de buscar se unir e somar no reconhecimento de necessidade de reparação de grupos étnicos”. Confira a íntegra de seu comentário…
O brasileiro está sempre atrás de um pé na Europa. Atrás de novas oportunidades, sempre vê na possibilidade de uma cidadania em país europeu a possibilidade de também ser reconhecido europeu e assim ter trânsito livre e privilegiado como se europeu fosse, ainda que se queira apenas se apegar a um bisavô, 1/16 do seu sangue, o brasileiro quer tentar ser europeu.
Agora tenho visto inclusive por pessoas da área jurídica palestras de como se obter a cidadania portuguesa ao provar que descende de cristão novo sefardita e não é raro vermos no Brasil as pessoas pescarem em sobrenomes populares e conhecidos a origem cristã nova romantizada de antepassados perseguidos pela Inquisição. A Igreja sempre como a perversa e foi mesmo, porque mandava queimar pessoas para se apropriar de seus bens.
Mas aqui nas Américas e no Brasil os cristãos novos ainda que tenham vindo para não morrerem na santa fogueira, ajudaram a patrocinar o trafico de pessoas africanas escravizadas e o que hoje temos como racismo estrutural, já que muitos eram donos de terras e produtores de açúcar e café. É tanto que os sobrenomes se tornaram populares demais porque os escravizados adotaram sobrenome dos senhores.
Acho interessante o brasileiro sempre buscando suas origens no que lhe convém, mas não no sentido de buscar se unir e somar no reconhecimento de necessidade de reparação de grupos étnicos. Ainda que se alegue que Portugal e os próprios países africanos que tiveram reis que lucraram com o tráfico também assumam a sua responsabilidade, não se pode justificar um erro pelo dos outros.
Ainda que se diga que não se tem responsabilidade e culpa pelos erros dos antepassados, e realmente não há, mas acho que não custa um pouco de crítica social começando pelo dever de casa, de que realmente se nascendo em certas condições pode se ter mais chances ou não.
Mas a meritocracia vem para romantizar abusos estruturais como aquele homem que atravessava a nado um rio pra poder estudar e hoje tem um diploma, a mulher que negra sofreu vários episódios de racismo e fez muita faxina, mas conseguiu passar em concurso, como se o certo fosse ter que sofrer pra se ter algo e provar o mérito, condições que nem todos passam, mas acha que 300 vagas para trainee na maior empresa varejista de eletros etc, vão tirar a chance que não foi tirada há quase 500 anos do branco.
Vamos seguindo realmente europeus, ressuscitando aquele fiapo de DNA para termos nosso pé na Europa porque reconstruir um país melhor pra todo mundo dá trabalho.
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