
Em seu comentário, o escritor Palmarí de Lucena relembra o Palácio da Redenção, como antigo colégio jesuíta e sede do Governo por mais de dois séculos, foi palco de gestos abolicionistas, da ascensão de Epitácio Pessoa e da tragédia de 1930 com João Pessoa. Abriu-se à modernização com Solon de Lucena, viveu tensões sob Argemiro e Agripino, e ganhou poesia com Ronaldo Cunha Lima. Hoje, como Museu da Paraíba, transformou-se em guardião da memória coletiva e símbolo de permanência. Confira íntegra…
O Palácio da Redenção, erguido originalmente como colégio jesuíta no século XVI e depois transformado em sede do governo provincial, atravessou mais de dois séculos como o centro político da Paraíba. Suas paredes testemunharam reformas administrativas, conspirações discretas, tragédias que mudaram o país e gestos simbólicos que projetaram o estado além de suas fronteiras. Hoje, convertido em Museu da Paraíba, o edifício devolve ao povo a memória que antes servia apenas ao poder.
A história do palácio é também a história da própria Paraíba. No século XIX, foi símbolo da abolição antecipada da escravidão, gesto que lhe rendeu o nome que carrega até hoje. No início da República, viu governadores como Solon de Lucena, empenhado em modernizar a capital, e abrigou a ascensão de Epitácio Pessoa, que dali partiu para a Presidência e para o cenário internacional, em Versalhes.
Foi, porém, em 1930 que o prédio ganhou aura trágica e mítica. O assassinato de João Pessoa, então governador, transformou seus corredores em epicentro da comoção popular e o vinculou diretamente à Revolução que levaria Getúlio Vargas ao poder. Nos anos seguintes, nomes como Argemiro de Figueiredo refletiram ali a tensão entre modernização e conservadorismo. Já durante o regime militar, Pedro Gondim e João Agripino Filho conduziram o estado a partir de um espaço cada vez mais marcado pelo peso da censura e da centralização autoritária.
Com a redemocratização, o Palácio voltou a respirar cultura e humanismo. Tarcísio de Miranda Burity, visionário e esteta, foi o grande artífice de uma renascença cultural na Paraíba, ao conceber e erguer o Espaço Cultural José Lins do Rego, que se tornaria o coração pulsante das artes, da música e do pensamento paraibano. Sua gestão deu novo sentido à relação entre governo e cultura, projetando o estado no cenário nacional. José Maranhão, o “mestre de obras”, sucederia essa fase com um olhar voltado à infraestrutura e ao desenvolvimento, ampliando estradas, escolas e hospitais, e valorizando o patrimônio histórico como expressão de continuidade e identidade. Mais tarde, Ronaldo Cunha Lima traria à política um tom de poesia e improviso, transformando o discurso em arte e o gesto público em verso.
Ao longo de sua trajetória, o edifício recebeu presidentes da República, diplomatas e líderes religiosos, sempre como vitrine da Paraíba para o Brasil e o mundo. O tempo, porém, exigiu nova vocação. A transferência do governo para o Centro Administrativo em Jaguaribe abriu caminho para a restauração do prédio e sua transformação em Museu da Paraíba. O que antes era território restrito, marcado por despachos e decisões, tornou-se espaço de visitação e aprendizado coletivo.
Essa metamorfose revela um ensinamento que ultrapassa os limites da Paraíba: o poder é passageiro, mas a memória, quando preservada, ganha permanência. O Palácio da Redenção encontrou sua verdadeira grandeza não apenas quando foi sede de governadores, mas agora, quando se oferece como guardião da história. Sua redenção definitiva foi deixar de ser a casa do mando para se tornar a casa da lembrança.
Entre esses muros também viveu o menino Ariano Suassuna, filho do então governador João Suassuna, cuja gestão (1924–1928) marcou um período de estabilidade e orgulho para o estado. O futuro escritor cresceu entre os salões do poder e o rumor das ruas, absorvendo contrastes que mais tarde se transformariam em poesia, filosofia e teatro. O Palácio foi, assim, o primeiro palco da imaginação daquele que faria da Paraíba um território simbólico da cultura brasileira.
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