O professor Emir Candeia revela ter escrito este texto após ler um trecho do livro escrito por Machado de Assis em que Quincas Borba, criou a filosofia fictícia do Humanitismo, cujo lema é: “Ao vencedor, as batatas.” A ideia é direta e cruel: quem vence numa disputa tem direito ao prêmio, quem perde simplesmente desaparece da cena. “Mas a realidade não funciona dessa forma”, assegura. Confira íntegra…
Na vida, todos lutamos por espaço, reconhecimento e acesso aos bens que garantem uma vida digna. O concurso público, a vaga de emprego, a disputa esportiva, a eleição política — cada uma dessas situações pode ser vista como uma batalha em que, aparentemente, só há lugar para vencedores e derrotados.
Machado de Assis, em Quincas Borba, criou a filosofia fictícia do Humanitismo, cujo lema é: “Ao vencedor, as batatas.” A ideia é direta e cruel: quem vence numa disputa tem direito ao prêmio, quem perde simplesmente desaparece da cena. Não há compaixão, não há recomeço. A vitória é a medida da aptidão, e a derrota é sentença de inferioridade.
Se aplicássemos esse raciocínio ao exemplo do candidato que não passa em um concurso público, o Humanitismo diria: ele perdeu, logo não era digno da vaga — e ponto final. A história dele se encerraria ali, pois o critério absoluto é o resultado imediato da competição.
Mas a realidade não funciona dessa forma. A ciência de Charles Darwin, ao propor a teoria da seleção natural, mostrou algo mais dinâmico: não é o mais forte nem o mais brilhante que sobrevive, mas sim o mais adaptado. Aquele que perde num ambiente pode encontrar outro nicho e, ao se reinventar, transformar a derrota inicial em combustível para uma vitória muito maior.
No caso do candidato, a derrota no concurso pode ser o gatilho para criar um pequeno negócio. Com o tempo, esse negócio cresce, floresce, e o “derrotado” se torna um grande empreendedor, alcançando mais recursos e autonomia do que teria se tivesse passado no concurso. Nesse ponto, Darwin se mostra mais realista que o Humanitismo: a vida é um processo contínuo de adaptação, não uma sentença definitiva de vitória ou derrota.
Essa diferença é crucial para refletirmos sobre a vida prática. Muitos se apegam à lógica do Humanitismo, tratando cada fracasso como prova de incapacidade, como se a vida fosse definida por um único episódio. No entanto, a experiência cotidiana mostra que as maiores conquistas nascem da capacidade de se reinventar após a queda. O “perdedor” de hoje pode ser o verdadeiro adaptado de amanhã.
Em suma, Machado, com sua ironia, nos alerta sobre o perigo de naturalizar a crueldade social como se fosse lei inevitável. E Darwin, com sua ciência, nos lembra que a chave da sobrevivência não é vencer sempre, mas saber se adaptar. A vida não é uma única batalha por batatas, mas uma longa travessia em que, às vezes, perder abre caminhos para vitórias ainda maiores.
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