PENSAMENTO PLURAL Perigosas fanfarronices de líderes autoritários, por Palmarí de Lucena
Em sua crônica, o escritor Palmarí de Lucena observa como analistas afirmam que a disputa territorial entre Venezuela e Guiana deve ser resolvida pacificamente, devido a problemas econômicos e possibilidade de intervenção dos EUA. Comparação com invasões passadas mostra que líderes ameaçam, mas não agem. “O Brasil desempenha papel diplomático importante na resolução do conflito”, postula. Confira íntegra de seu comentário...
Analistas e especialistas afirmam que a recente disputa territorial entre a Venezuela e a Guiana não deve resultar em uma guerra. Eles argumentam que a postura ameaçadora do presidente Maduro é apenas uma estratégia para ganhar popularidade, uma vez que ele está perdendo apoio interno. Os problemas econômicos da Venezuela e a possibilidade de intervenção liderada pelos EUA também desencorajam qualquer ação militar.
Existem semelhanças entre essa disputa territorial e invasões ocorridas no passado, como a invasão russa à Ucrânia, a apropriação do Kuwait pelo Iraque e a invasão argentina às Ilhas Malvinas. Em cada uma dessas situações, acredita-se que os líderes autoritários – Vladimir Putin, Saddam Hussein e Gen. Leopoldo Galtieri, respectivamente – não agiriam de acordo com suas ameaças. Essa analogia pode ser aplicada às reivindicações territoriais feitas por Maduro na atualidade.
Os generais argentinos acreditavam que as Ilhas Malvinas haviam sido usurpadas pelos britânicos, mas a situação mais semelhante é com a tentativa da Argentina de ocupar militarmente o arquipélago em 1982. Os argentinos deixaram de pedir eleições livres para apoiar o desafio de Galtieri ao governo britânico. “No nos detendremos hasta que las Malvinas sean devueltas a su legítimo dueño, Argentina” (“Não iremos parar até que as Malvinas sejam devolvidas ao seu legítimo dono, a Argentina”) se tornou o grito de guerra da população, o que aliviou os militares.
Um referendo realizado em dezembro de 2023, supostamente ratificou o status do Essequibo como território venezuelano e rejeitou a jurisdição da Corte Internacional de Justiça sobre a anexação de território da Guiana. A questão é se Maduro acredita que pode alcançar seus objetivos políticos apenas com ameaças, ou se ele acredita que a ação militar é necessária. Uma guerra poderia justificar o cancelamento das eleições que Maduro teme perder.
A Venezuela provavelmente contaria com o apoio ou a neutralidade de aliados como Cuba, Irã e Rússia, enquanto a América Latina e o Caribe têm se posicionado de forma negativa em relação às ações do governo de Nicolás Maduro. Uma intervenção militar dos EUA, mesmo a pedido do governo da Guiana, teria sucesso, mas não seria simples e as consequências políticas e diplomáticas seriam imprevisíveis. A questão de interesses econômicos, como a exploração de petróleo pela ExxonMobil nas plataformas na costa da Guiana, também se torna um fator relevante na exploração de recursos naturais na área reivindicada pela Venezuela.
Provavelmente, a Venezuela não entrará em guerra dessa vez, devido aos motivos citados pelos especialistas. No entanto, governos já cometeram erros em suas avaliações sobre as intenções um do outro, tanto aqueles que tentam redesenhar fronteiras pela força quanto aqueles que tentam evitá-lo.
A diplomacia brasileira desempenha um papel importante na busca de uma resolução pacífica para o conflito entre a Venezuela e a Guiana. Paz é o que a América do Sul necessita. A abordagem diplomática baseada no “soft power” do Brasil pode servir como um caminho para resolver não apenas essa disputa, mas também outras disputas territoriais entre os países da América do Sul. O trunfo do Brasil é a tradição de aceitar decisões de tribunais internacionais como marco legal para a solução de disputas envolvendo o país e seus vizinhos, incluindo a Venezuela.
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