PENSAMENTO PLURAL Politizando a natureza humana, por Palmarí de Lucena
O escritor Palmarí de Lucena reflete em sua crônica “Politizando a natureza humana” como, em plena pandemia, ficam tão evidentes “os efeitos da influência maléfica da guerra cultural, que contamina políticas públicas e estorna possibilidades de chegarmos a um consenso nacional sobre medidas sanitárias”. O cronista entende que o mundo está pagando um elevado preço por conta dessa politização. Confira íntegra de seu comentário…
O aparente fracasso do Governo Brasileiro em controlar a pandemia do vírus COVID-19, expõe claramente os efeitos da influência maléfica da guerra cultural, que contamina políticas públicas e estorna possibilidades de chegarmos a um consenso nacional sobre medidas sanitárias, para a mitigação do contágio e readaptação da economia aos caprichos do novo normal. Estamos acumulando um custo humano altíssimo, um mal augúrio para o futuro da Nação e sustentabilidade de sua vocação democrática, com graves consequências para a imagem e influência global do País.
Partidarismo desenfreado nos Estados Unidos é possivelmente o maior obstáculo para o distanciamento social, que a maioria dos cientistas vêm como essencial para limitar a propagação da pandemia do COVID-19. Devido a multiplicidade e irrelevância da maioria das legendas políticas brasileiras, o impasse é menos transparente e possivelmente menos abjudicável através de entendimentos entre lideranças partidárias ou entre os três poderes. Apesar destas diferenças, temos algo em comum: dois presidentes que se espelham no negacionismo, rejeição da ciência, mal exemplo de civilidade e gestão incoerente do bem-estar da população. A conjuntura atual nos deixa a impressão de que precisamos urgentemente de uma concordata social, para esvaziarmos o perigo de insolvência de nossas instituições, perigo inerente a situação de contradições ideológicas transformadas em estilo de governança.
Devido a narrativa histriónica do populismo esfarrapando imperiosamente o tecido da unidade nacional, diferenças sobre convicções morais e preferências pessoais, se transformaram em vetores de polarização que negativam os valores que levaram o País de volta a democracia. Rótulos ideológicos se reformularam em identidades pessoais e afirmações de crenças ideológicas, as pessoas têm mais fortes ideologias simbólicas do que ideologias operacionais. Hoje, o eleitorado está dividido em dois campos, baseados na preferência por fundamentos de princípios morais e políticas públicas afins, valores socioculturais e preferência por lideranças democráticas ou autoritárias.
Donald Trump crê que caos, confusão e conflito, aumentam suas possibilidades de reeleição, enquanto o Democrata Joe Biden apresenta mecanismos e propostas para apagar os incêndios causados pelo Republicano. Vivemos o mesmo drama do incendiário contra os bombeiros, sendo que nossos incêndios estão sendo apagados pelo Poder Judiciário, a mídia nacional, a participação esporádica do Legislativo e tépida pressão popular. Somos o governo do povo, pelo povo e para o povo, a politização da natureza humana é um impedimento para usufruirmos da nossa herança democrática.