Em sua crônica, o escritor Palmarí de Lucena lembra como o “Risco América” não é apenas uma abstração financeira. “Ele é um alerta: quando a instabilidade vem de onde se esperava liderança, e quando ela encontra aliados internos dispostos a sabotar a nação em nome de seus interesses pessoais e partidários, todo o sistema vacila. E na linha de frente desse abalo está o povo brasileiro — tentando, entre abismos diplomáticos e tarifas injustas, manter-se de pé”, acrescenta. Confira íntegra...
A economia brasileira, já marcada por suas vulnerabilidades internas, enfrenta agora um desafio externo de proporções crescentes: a instabilidade vinda dos Estados Unidos. O recente tarifaço de 50% imposto por Donald Trump atinge em cheio pilares estratégicos da exportação brasileira, como café, suco de laranja, carne bovina, aviões da Embraer e cobre — produtos que não apenas sustentam o superávit comercial com os EUA, mas simbolizam décadas de integração produtiva e confiança mútua. No entanto, tais medidas foram adotadas de forma unilateral, sem base técnica, transformando o comércio internacional em campo de batalha ideológico. E com isso, cresce também sobre o Brasil um fator de risco inesperado: o Risco América.
Tradicionalmente, o risco-país é calculado a partir da estabilidade fiscal, institucional e jurídica de um Estado. O “Risco América”, no entanto, inverte essa lógica. Ele nasce da instabilidade de quem deveria ser previsível; da imprevisibilidade legal de um sistema que, embora robusto, permite ao seu chefe de Estado atacar empresas, setores e até países inteiros com medidas protecionistas que escapam aos controles multilaterais.
No caso brasileiro, a situação é ainda mais grave. A retaliação comercial dos EUA não se limitou à pauta econômica — ela foi politizada. As ameaças de Trump ocorreram paralelamente ao julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro, que enfrenta acusações de tentar subverter a democracia. Trump, ao chamar o processo de “caça às bruxas” e associar as tarifas à continuidade desse julgamento, compromete não apenas a soberania do Brasil, mas a ideia de que as regras do comércio internacional são respeitadas entre nações democráticas.
Pior: o “Risco América” não é apenas imposto de fora. Ele é incentivado internamente por setores da política brasileira que, em vez de defender os interesses do país, enxergam nas ameaças externas uma oportunidade de ganho partidário e de proteção para os envolvidos nos ataques golpistas de 8 de janeiro. Deputados e senadores alinhados ao bolsonarismo atuam abertamente para sabotar a estabilidade econômica e institucional, boicotando projetos essenciais no Congresso e usando sua influência para desacreditar o Brasil no exterior. Trata-se de uma sabotagem deliberada — uma política do “quanto pior, melhor”, que usa o sofrimento da população como combustível para narrativas de desgoverno e tentativas de retorno ao poder.
O impacto é direto: investidores estrangeiros hesitam. A confiança nos acordos comerciais cai. O Brasil se vê obrigado a rever projeções de exportação, inflação e crescimento. E mais: as empresas nacionais, especialmente as voltadas ao agronegócio e à exportação, tornam-se reféns de um jogo político travado fora de suas fronteiras, com a cumplicidade de setores internos que agem contra o interesse nacional.
A insegurança jurídica provocada por esse tipo de sanção não se limita aos produtos atingidos. Ela afeta o ambiente como um todo. O Brasil é visto como um parceiro vulnerável, que pode ser punido arbitrariamente por Washington caso suas decisões políticas não agradem à Casa Branca — e que abriga, em seu próprio Congresso, agentes dispostos a aplaudir tais punições desde que estas fragilizem o governo legitimamente eleito.
Não há economia forte o suficiente para resistir indefinidamente a esse tipo de instabilidade. O Brasil precisa diversificar mercados, fortalecer alianças multilaterais e, acima de tudo, reafirmar seu compromisso com a autonomia institucional. É preciso mostrar ao mundo que o país não negocia sua soberania por aprovação externa — e que as leis aqui são feitas para valer, mesmo quando os ventos internacionais e domésticos sopram contra.
O “Risco América” não é apenas uma abstração financeira. Ele é um alerta: quando a instabilidade vem de onde se esperava liderança, e quando ela encontra aliados internos dispostos a sabotar a nação em nome de seus interesses pessoais e partidários, todo o sistema vacila. E na linha de frente desse abalo está o povo brasileiro — tentando, entre abismos diplomáticos e tarifas injustas, manter-se de pé.
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