PENSAMENTO PLURAL Quando a Justiça encontra a distância: o Caso Eduardo Bolsonaro e a maturidade institucional, por Palmarí de Lucena

Em seu texto, o escritor Palmarí de Lucena trata da decisão do STF de transformar Eduardo Bolsonaro em réu por coação no curso do processo e que inaugura um caso complexo que envolve fronteiras jurídicas, políticas e diplomáticas. A denúncia aponta tentativas de influenciar o julgamento de Jair Bolsonaro por meio de pressões externas e sanções internacionais. “O processo levanta debates sobre devido processo legal, citação no exterior e o papel do Parlamento diante da ausência prolongada do deputado. Mais que um embate político, o caso testará a solidez institucional da democracia brasileira”, diz. Confira íntegra...

A decisão da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal de transformar o deputado Eduardo Bolsonaro em réu por coação no curso do processo reacende um debate que ultrapassa as fronteiras da política cotidiana. Não se trata, aqui, de simpatias partidárias ou de juízos precipitados, mas da observação atenta de como o Estado brasileiro reage quando um caso sensível exige equilíbrio, serenidade e respeito aos ritos jurídicos.

A denúncia apresentada pela Procuradoria-Geral da República sustenta que o parlamentar teria atuado para influenciar decisões relativas ao julgamento de seu pai, articulando pressões externas e sanções internacionais contra autoridades brasileiras. O STF entendeu que havia indícios suficientes para que o processo fosse aberto. Nada além disso: não se trata de condenação, mas do início formal de uma análise que exigirá provas robustas, contraditório pleno e direito de defesa.

O ponto mais intricado do caso não está apenas nas acusações, mas na mecânica do processo. Como proceder quando o réu está no exterior, reage publicamente em redes sociais, mas não responde às notificações oficiais? Deve-se insistir em uma carta rogatória — instrumento previsto para residentes no exterior — ou aceitar que manifestações públicas em território digital comprovam ciência inequívoca do processo? Juristas divergem, e a divergência, longe de fragilizar o debate, demonstra que o país ainda discute seriamente os limites de seu próprio sistema legal.

A distância física cria um paradoxo contemporâneo: alguém pode viver fora do país, mas participar intensamente da disputa política interna; pode declarar-se ausente, mas comentar o processo em tempo real. É nesse terreno movediço que o Supremo precisa caminhar, atentos todos nós ao risco de se estabelecer um precedente que relativize o devido processo legal. Em tempos de polarização, proteger procedimentos é proteger a democracia.

No campo institucional, a Câmara dos Deputados também é chamada a posicionar-se. Mandato envolve presença, responsabilidade e participação. Quando um parlamentar permanece meses fora do país, sem licença formal e sem atuar nas sessões, o Legislativo se vê diante de uma escolha difícil: como preservar o mandato sem esvaziar o sentido de representação? É um dilema que deve ser enfrentado com sobriedade, não com impulsos.

E há, ainda, o elemento externo. As gestões feitas pelo deputado junto ao governo americano, e as subsequentes sanções impostas a autoridades brasileiras, introduzem um fator de ineditismo. A tentativa de mobilizar ferramentas estrangeiras para influenciar processos internos tensiona os limites da diplomacia e da ética pública. Independentemente de motivações políticas, é um movimento que merece reflexão profunda sobre soberania e responsabilidade institucional.

Dito isso, é fundamental reafirmar: o processo está no início. Pode avançar, ser suspenso ou resultar em absolvição. O que importa, neste momento, é que corra dentro das garantias que a Constituição assegura — a todos, sem exceção. A justiça deve ser firme, mas jamais apressada. Deve ser clara, mas nunca seletiva. E deve ser capaz de conviver com o ruído político sem permitir que esse ruído a desvie de seu caminho.

No fim, o caso Eduardo Bolsonaro funciona como um espelho: reflete o grau de maturidade das instituições, a exatidão dos ritos legais e a capacidade do país de preservar o devido processo mesmo quando o ambiente público se torna tenso. Democracias fortes não se constroem apenas com decisões; constroem-se com decisões tomadas da maneira correta.

E é justamente esse compromisso — com a forma e com o conteúdo — que permitirá ao Brasil atravessar mais um episódio turbulento sem ferir sua própria espinha dorsal: o Estado de Direito.

 

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