“O Brasil, historicamente acolhedor com refugiados, rompeu essa tradição durante o governo Bolsonaro, ao alinhar-se à retórica anti-imigração de Donald Trump”, aponta o escritor Palmarí de Lucena em seu comentário, e ainda: “Com discursos hostis, recuos em pactos internacionais e omissão diante de abusos contra brasileiros no exterior, o país perdeu credibilidade humanitária.” Reconstruir essa imagem exige compromisso com a dignidade humana e com o direito internacional. Confira íntegra…
O Brasil sempre cultivou uma imagem de país acolhedor, com políticas generosas de refúgio desde o início do século XX. Acolheu europeus perseguidos por guerras e regimes autoritários, exilados latino-americanos, vítimas de terremotos, guerras civis e colapsos humanitários. Com a promulgação da Constituição de 1988 e da Lei de Refúgio em 1997, consolidou-se o compromisso com a proteção de direitos humanos em solo nacional.
Esse legado, no entanto, sofreu erosão nos últimos anos. Durante o governo de Jair Bolsonaro, o país passou a tratar pedidos de refúgio com desconfiança e hostilidade. Em pronunciamentos públicos, o presidente associou refugiados à criminalidade e afirmou que o Brasil “não pode ser abrigo de bandidos”. O tom se assemelhou à retórica do ex-presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, que reiteradamente classificava migrantes latino-americanos como criminosos.
A afinidade ideológica entre os dois governos extrapolou o discurso. Bolsonaro apoiou a construção do muro na fronteira sul dos EUA, silenciou diante da separação de crianças brasileiras de seus pais em centros de detenção norte-americanos e promoveu um alinhamento com posições internacionais abertamente contrárias aos princípios humanitários. Em 2019, o Brasil se retirou do Pacto Global para a Migração Segura, Ordenada e Regular, alegando que o acordo ameaçava a soberania nacional — o mesmo argumento usado por Trump. Também rejeitou ou se absteve em resoluções da ONU e da OEA que condenavam deportações sumárias, detenções arbitrárias e separações familiares.
No plano interno, o tratamento dado aos refugiados venezuelanos, em especial, revela as contradições. O fechamento da fronteira e o esvaziamento da Operação Acolhida mostraram que o discurso de solidariedade cedia lugar à conveniência política. A cooperação com a Organização Internacional para as Migrações (OIM) foi enfraquecida, e programas essenciais foram paralisados ou deixados sem respaldo.
Mais preocupante ainda é o comportamento de parlamentares brasileiros eleitos, que, em vez de defenderem os interesses do país, utilizaram seus mandatos para fazer lobby no exterior em favor de governos que impõem sanções à economia nacional. Ignoram, ao mesmo tempo, a situação precária de milhares de brasileiros em território estrangeiro — muitos submetidos a deportações, detenções e trabalho informal. O discurso nacionalista torna-se vazio quando se cala diante do sofrimento de seus próprios cidadãos.
Recuperar o prestígio do Brasil como país de acolhimento exige mais do que palavras. Exige reconstrução institucional, compromisso com tratados internacionais e a retomada de uma diplomacia baseada na dignidade humana. Em tempos de retração global da solidariedade, o Brasil precisa reencontrar o que já soube ser: uma nação que não fecha as portas a quem bate em desespero.
Os textos publicados nesta seção “Pensamento Plural” são de responsabilidade de seus autores e não refletem, necessariamente, a opinião do Blog.