O escritor Palmarí de Lucena segue inspirando leitores e estimulando, inclusive, objeções às suas opiniões. É o caso desse comentário do professor Emir Candeia, que se propõe como exatamente um contraponto ao artigo “Quando a soberania está em jogo”, de Palmarí. “Discordo dessa leitura. Soberania não é um salvo-conduto para arbitrariedades internas”, pontua Emir. Confira íntegra…
Um contraponto ao artigo publicado por Palmarí de Lucena, que defende que a soberania brasileira estaria sendo afrontada pelas possíveis sanções externas, especialmente pela aplicação da Lei Global Magnitsky contra autoridades nacionais.
Discordo dessa leitura. Soberania não é um salvo-conduto para arbitrariedades internas, nem tampouco uma blindagem automática contra reações externas quando decisões tomadas dentro do país começam a gerar impactos transnacionais.
Quando um ministro do Supremo Tribunal Federal tenta obrigar empresas estrangeiras a censurar conteúdos que são legais sob a legislação de seus próprios países, ele ultrapassa a esfera da jurisdição nacional. Esse não é mais apenas um assunto interno: é uma ação que ecoa no cenário internacional e, por isso, esta sujeito resposta internacional.
Lei Magnitsky não é só para ditaduras — ao contrário do que sugere o artigo de Palmarí, essa lei não foi criada exclusivamente para regimes autoritários. Ela foi feita para responsabilizar indivíduos — sejam de democracias ou ditaduras — que praticam abusos de direitos humanos por exemplo. Democracia, por si só, não é um escudo para evitar a responsabilização de quem ultrapassa os limites legais e éticos.
Jurisdicionalidade tem limites — quando um ministro tenta obrigar empresas americanas a censurar conteúdos que são legais nos EUA, ele já cruzou a linha internacional. Isso rompe com o princípio básico de que as leis nacionais não se aplicam ilimitadamente fora das fronteiras.
Soberania não é carta branca para abusos — soberania não significa imunidade moral. Assim como nenhum pai pode justificar agressões dizendo “na minha casa eu mando”, nenhum país pode alegar “soberania” para esconder decisões que atingem outros países ou violam padrões internacionais.
O problema não está na reação externa, mas no ato que a provoca — o verdadeiro debate não deve ser se as reações externas são uma afronta ao Brasil, mas sim: o que estamos fazendo para provocá-las? O que nossas autoridades precisam rever para evitar que o Brasil entre nesse tipo de conflito diplomático?
Soberania implica responsabilidade — para com a população, para com o Estado, mas também para com a comunidade internacional. Num mundo globalizado, não há espaço para agir como uma ilha isolada. Precisamos reafirmar nossa autonomia, sim, mas alinhada ao respeito por princípios, tratados e limites que estruturam a convivência entre nações. Num cenário internacional interligado, não existe isolamento moral: os efeitos de nossas decisões internas já não param nas fronteiras.
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