Em seu comentário, o escritor Palmarí de Lucena lembra como, “em tempos de tensões comerciais, alguns políticos brasileiros optam por ecoar interesses estrangeiros em vez de defender a soberania nacional”. E cita declarações públicas e alinhamentos com medidas hostis à economia brasileira levantam questões éticas sobre representação e lealdade. “A reflexão propõe distinguir a crítica legítima de submissão simbólica, em nome de uma democracia madura e de compromissos com o país”, acrescenta. Confira íntegra…
A História tem suas sentinelas. De tempos em tempos, figuras públicas cruzam a tênue fronteira entre a discordância legítima e a submissão simbólica a interesses estrangeiros. São vozes que, embora falem em nome próprio, reverberam narrativas alheias, como se pertencessem a outra bandeira, a outro povo. Durante a Segunda Guerra Mundial, esse fenômeno foi encarnado por personagens como Tokyo Rose, Axis Sally e Rita Zucca — cidadãs ocidentais que, ao emprestar sua língua e afeto ao inimigo, tornaram-se ícones da propaganda hostil, confundindo liberdade com servidão ideológica.
É impossível ignorar os paralelos com episódios recentes da política brasileira. Em um momento de tensão comercial entre o Brasil e os Estados Unidos, alguns parlamentares eleitos pelo voto popular optaram por desempenhar um papel que lembra mais o de mensageiros de uma potência estrangeira do que o de representantes legítimos da soberania nacional. Diante da imposição unilateral de tarifas de 50% sobre exportações brasileiras — medida que ameaça empregos, produção e renda em setores inteiros da economia —, esperava-se reação em defesa dos interesses do país. Mas o que se viu, em alguns casos, foi celebração.
Ainda mais inquietante foi a declaração de um senador brasileiro, feita com naturalidade à imprensa, de que possuiria um visto especial emitido pelos Estados Unidos por sua condição de “colaborador” ou “informante” do governo norte-americano. Não se trata aqui de insinuar ilegalidades — não há crime em obter vistos ou dialogar com outras nações. O que causa estranhamento é a ausência de debate institucional diante do gesto: um parlamentar em exercício admitindo atuar junto a outro Estado enquanto representa, formalmente, o povo brasileiro. Que tipo de compromisso floresce em terreno tão ambíguo? Que lealdade se espera de quem encontra mais portas abertas em Washington do que em sua própria base eleitoral?
Esta reflexão não é contrária à liberdade de pensamento, tampouco à pluralidade de ideologias. Ambas são pilares da democracia. O que se questiona é o grau de comprometimento de certos agentes públicos com a integridade da representação nacional. Quando um congressista brasileiro aceita passivamente — ou até enaltece — decisões que encarecem nossos produtos, sufocam nossas exportações e fragilizam a confiança internacional no país, há algo que precisa ser discutido com seriedade. Especialmente quando essas atitudes contam com a cumplicidade silenciosa de seus pares, que evitam qualquer julgamento ético de tais condutas.
Há décadas, o Brasil busca consolidar seu lugar no cenário global como uma nação soberana, capaz de firmar acordos, sustentar alianças e proteger seus cidadãos. Quando um representante público se alinha sem reservas a figuras estrangeiras que adotam políticas economicamente lesivas ao país, abre mão do papel que lhe foi confiado. A História registra essas inflexões — e as julga, ainda que tardiamente.
A fidelidade institucional não exige obediência cega ao governo de turno, mas lealdade aos princípios constitucionais e ao bem comum. É plenamente possível divergir da Presidência sem sabotar o país. É legítimo criticar políticas públicas sem festejar tarifas punitivas que afetam diretamente agricultores, industriais e trabalhadores brasileiros. A crítica construtiva faz parte da vida democrática. Já o endosso inconsequente a políticas hostis, oriundas de governos estrangeiros, é algo mais profundo — uma forma de renúncia. E essa renúncia tem nome: deserção moral.
Não se espera de um representante do povo que se ajoelhe a interesses externos em busca de palanque, aplausos ou visibilidade. O Brasil precisa de vozes que ressoem sua complexidade, sua dignidade e suas esperanças — e não de ventríloquos de potências que impõem barreiras, erguem muros e rebaixam pontes.
A História — essa velha juíza de memória persistente — saberá distinguir, no tempo certo, quem defendeu o país de quem apenas o mencionou em discursos traduzidos.
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