
Em seu texto, o escritor Palmarí de Lucena afirma que a retirada de Alexandre de Moraes da lista de sanções da Lei Magnitsky marca uma correção de rota na política externa dos Estados Unidos. A medida foi interpretada internacionalmente não como endosso a decisões judiciais brasileiras, mas como reconhecimento dos limites de aplicar sanções de direitos humanos a magistrados de democracias funcionais. “O episódio evidencia que conflitos institucionais internos tendem a ser resolvidos com mais legitimidade por mecanismos domésticos do que por pressões externas seletivas”, acrescenta. Confira íntegra...
Não foi apenas um nome que saiu de uma lista. Ao retirar Alexandre de Moraes das sanções previstas na Lei Magnitsky, os Estados Unidos removeram também um ponto de atrito que já produzia efeitos diplomáticos desproporcionais ao seu alcance jurídico. O gesto, discreto e sem explicações extensas, indica menos uma mudança de convicções e mais uma correção de rota.
A Lei Magnitsky foi concebida para punir indivíduos envolvidos em graves violações de direitos humanos ou corrupção sistêmica, em geral associados a regimes autoritários ou a estruturas de poder que operam fora do Estado de Direito. Sua aplicação a um magistrado em exercício, em um país com eleições regulares, imprensa ativa e Judiciário funcional, introduziu uma ambiguidade difícil de sustentar: a equiparação implícita entre decisões judiciais controversas e crimes que a própria lei se propõe a combater.
Desde o início, essa assimetria foi percebida fora do Brasil. A retirada das sanções, agora, não veio acompanhada de retratação formal, mas o silêncio oficial funcionou como reconhecimento tácito de que os custos políticos e institucionais da medida superaram seus possíveis ganhos. Em política externa, a ausência de justificativas pode ser, ela própria, uma forma de justificativa.
A repercussão internacional refletiu esse entendimento. Veículos como Financial Times, Reuters, Associated Press e The Guardian não trataram a decisão como vitória pessoal de um magistrado, nem como endosso automático às decisões do Supremo Tribunal Federal. O foco esteve na normalização das relações entre Brasil e Estados Unidos e na percepção de que a sanção havia tensionado desnecessariamente a relação entre duas democracias formais.
Especialistas em direito internacional destacaram um ponto adicional: o precedente criado. Se sanções desse tipo passarem a ser usadas contra juízes por decisões tomadas no exercício regular de suas funções, abre-se um campo de vulnerabilidade institucional que ultrapassa o caso brasileiro. Cortes constitucionais, por definição, decidem conflitos sensíveis e frequentemente impopulares. Submetê-las a pressões externas desse tipo pode enfraquecer — e não fortalecer — a independência judicial que se pretende proteger.
Nos Estados Unidos, a leitura predominante foi pragmática. A política externa raramente se orienta por gestos simbólicos prolongados; ela se ancora em previsibilidade, alianças estratégicas e cálculo de interesses. Manter a sanção significaria prolongar um conflito diplomático com um parceiro relevante da América do Sul, em um cenário internacional já marcado por instabilidade suficiente.
No Brasil, o episódio foi interpretado por alguns como êxito diplomático. Ainda assim, seu significado mais consistente está menos na celebração do recuo e mais na lição institucional que ele sugere. A retirada da sanção não absolve decisões, métodos ou estilos. Tampouco encerra debates legítimos sobre limites do poder judicial. O que ela evidencia é que democracias não se corrigem eficazmente por sanções externas seletivas, mas por mecanismos internos de controle, crítica pública e equilíbrio entre Poderes.
A Lei Magnitsky permanece um instrumento relevante quando aplicada ao contexto para o qual foi criada. Fora desse perímetro, ela perde precisão normativa e passa a operar como instrumento político, sujeito a interpretações conjunturais. Ferramentas de direitos humanos, quando usadas fora de contexto, tendem a enfraquecer a própria causa que pretendem defender.
Ao retirar o nome da lista, Washington não reescreveu os conflitos institucionais brasileiros nem tomou partido explícito sobre eles. Limitou-se a reconhecer que transformar disputas internas em sanções internacionais pode gerar mais ruído do que correção. Em certos momentos, a defesa da democracia exige menos gestos e mais contenção.
O erro, nesse caso, não esteve apenas na sanção inicial, mas na suposição de que ela fortaleceria princípios democráticos. A decisão de revogá-la sugere que essa suposição, ao menos aqui, mostrou-se equivocada.
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