PENSAMENTO PLURAL Roteiros afetivos, o Porteiro, por Durval Leal

Em sua crônica, o cineasta Durval Leal rememora a origem daquela estátua postada em frente à entrada da Universidade Federal da Paraíba que, por algum tempo, foi tachada de Porteiro do Inferno, por obra de Virginius da Gama. “Esse é um dos projetos guardados, adormecido, em 40 anos de atividades, delirando e realizando documentários, tentei construir narrativas de identidades, culturas e memórias”, diz Durval. Confira íntegra…

Jackson Ribeiro, o homem que fez Cruz. Na década de 60, a migração da Paraíba para São Paulo e Rio de Janeiro era de grande fluxo. Você ia para a capital, Rio de Janeiro, ou subia como candango para Brasília, em construção. Nessa leva, um outro Jackson paraibano, mas esse de Teixeira, Fernando Jackson Ribeiro, um sertanejo, um homem que brincava com ferro e fogo, um cabra que experimentou construir, do bruto material ferro e rocha, a sutil percepção do saber fazer.

Não é um monte de ferro numa rotatória. Assim vem sendo tratado o Porteiro, que veio a ter alcunha, vulgo do Inferno, por chacota do amigo Virgínio da Gama, ou, em outra versão, faz referência de onde veio o artesão, do inferno, e do duro trabalho em sucatas, início do mister do ofício de Jackson. Nas oficinas, fez sagacidade ao transformar arte em brincadeira.

O inferno de O Porteiro é perambular entre carros em algum lugar esquecido. Quem já andou pelas bandas da UFPB, em João Pessoa, onde muitos motoristas veem um molho de ferros, passando ao lado, sem saber da importância, uma obra do Paraíba Jackson Ribeiro, talvez o escultor mais importante de uma região chamada Brasil, do lugar Paraíba. Ele esteve na 31ª Bienal de Veneza, em 1962. Jackson participou com mais 11 brasileiros, tendo como parceira a escultora Lygia Clark, em pleno apogeu e com toda força e apoio da mídia e crítica paulistas.

O Porteiro, o homem que fez a Cruz. Esse é um dos projetos guardados, adormecido, em 40 anos de atividades, delirando e realizando documentários, tentei construir narrativas de identidades, culturas e memórias. Contribuí para contar histórias de Ariano Suassuna, Pedro Américo, Jackson do Pandeiro, Zabé da Loca, e outros.

Não fiz, ainda, uma homenagem a Jackson Ribeiro, que é mais um paraibano que sempre tentei valorizar, pois as suas esculturas são icônicas como obras de arte, de raros processos criativos, de um artista que amolecia imagens de ferro.

O Porteiro já foi esquecido pela mídia do Rio, capital, e de São Paulo, da crítica artística, desde a abertura da trigésima primeira Bienal de Arte de Veneza. O conterrâneo Jackson foi relegado; poucas foram as matérias e críticas sobre as suas obras na 31ª Bienal de Veneza, mas ele continuou e foi convidado para a Bienal de Paris de 1963. Jackson Ribeiro fez-se registrar no meio.

Impressionante, você vê que não é só a arte na sua qualidade de ser criativo, mas uma mídia xenófoba deteriora e desconstrói o homem artista, principalmente se ele tinha como antagonista uma tiete, da vanguarda paulistana e carioca, a consagrada escultora Lygia Clark.

É fácil ser crucificado pelo esquecimento.

 

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