Em seu comentário, o escritor Palmarí de Lucena observa como a segurança pública brasileira permanece aprisionada em mitos: mais operações, mais prisões, mas pouca mudança real. Exemplos como a devolução de celulares roubados e o policiamento comunitário mostram que a aproximação com o cidadão gera confiança e resultados concretos. “O problema maior reside na política, que insiste em discursos de força e soluções simplistas. Romper esse ciclo exige transformar a segurança em política de Estado, integrada à cidadania e à prevenção”, pontua. Confira íntegra…
Nas ruas do país, a rotina se repete: operações ostensivas, patrulhas reforçadas, prisões em flagrante. O esforço dos policiais é visível, mas os resultados parecem escapar, como se todos corressem sem sair do lugar. A violência persiste, e a sensação de insegurança continua a marcar a vida cotidiana.
Não se trata de ausência de trabalho ou de dedicação. O problema está no modelo predominante: um policiamento reativo, voltado quase sempre para responder ao crime depois que ele ocorre. Essa lógica gera manchetes e visibilidade imediata, mas não altera de modo consistente a engrenagem da criminalidade. O cárcere cresce, as operações se sucedem, e a violência insiste em permanecer.
Há sinais, no entanto, de que outro caminho é possível. Exemplos concretos mostram como a aproximação entre polícia e cidadão gera resultados palpáveis. Operações de rastreamento e apreensão de quadrilhas que atravessavam celulares roubados para outros estados, seguidas da devolução dos aparelhos a seus legítimos donos, criaram confiança. O gesto de devolver um objeto pessoal não é apenas burocracia: é o reencontro simbólico entre sociedade e sua própria segurança. Em bairros vulneráveis, experiências de policiamento comunitário, com presença em escolas, reuniões com moradores e mediação de conflitos, mostraram que a proximidade constante pode reduzir o medo e evitar tragédias.
O entrave maior, contudo, não está apenas na prática policial, mas na forma como a política institucional molda o debate. Bancadas parlamentares dedicadas à segurança pública, compostas muitas vezes por oficiais eleitos em campanhas de linguagem dura, reforçam mitos que reduzem a eficiência policial. O discurso da força total, da promessa de sufocar o crime por meio de leis mais rígidas e operações espetaculares, mantém viva uma lógica estéril. Alimenta-se a crença de que a violência cederá apenas com repressão, quando a realidade mostra que essa corrida apenas consome recursos e energias sem produzir a mudança necessária.
Esse é o ponto crucial: não se trata de enfraquecer a polícia, mas de liberá-la do peso de expectativas irreais e de narrativas que a transformam em protagonista solitária de uma guerra sem fim. A segurança pública precisa ser política de Estado, integrada a educação, urbanismo, saúde e cidadania. Persistir na corrida da Rainha Vermelha — multiplicando esforços sem sair do lugar — é desperdiçar energia e esperança. O desafio é deslocar o eixo: do espetáculo repressivo para políticas consistentes, da desconfiança para a parceria. Só assim a engrenagem da violência começará, de fato, a perder velocidade.
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