Em seu comentário, o escritor Palmarí de Lucena explicita como a construção de uma soberania digital equilibrada passa, portanto, por responsabilidade pública, transparência regulatória e abertura ao diálogo. É um processo contínuo, que envolve não só governos, mas também sociedade civil, empresas e instituições científicas. “Nesse sentido, os esforços brasileiros merecem ser analisados com sobriedade, não como gestos de ruptura, mas como tentativas legítimas de se adaptar a um mundo em transformação — sem perder de vista a autonomia, a democracia e o interesse público”, acrescenta. Confira íntegra…
Na era das redes e dos dados, a soberania de um país já não depende apenas de suas fronteiras físicas ou de sua capacidade industrial. O controle — ou, mais precisamente, a gestão autônoma e responsável — das infraestruturas digitais tornou-se elemento central para garantir segurança, competitividade e direitos civis em escala nacional. Nesse novo campo de disputas, o Brasil tem buscado um lugar de protagonismo, o que tem gerado, naturalmente, tensões.
O desenvolvimento de iniciativas como o sistema de pagamentos instantâneos Pix, a criação de um marco legal para proteção de dados pessoais (a LGPD) e o debate em torno da regulação das plataformas digitais são exemplos concretos dessa tentativa de reposicionamento estratégico. Essas medidas, embora distintas entre si, têm em comum o objetivo de ampliar a capacidade de atuação do Estado em áreas antes marcadas pela ausência regulatória ou pela dependência de soluções importadas.
É compreensível que essas mudanças provoquem reações. A transformação de um país de mero consumidor de tecnologia em criador de soluções de referência internacional implica romper com certos padrões estabelecidos. Algumas das críticas mais recentes — especialmente oriundas do governo dos Estados Unidos — apontam preocupações sobre os possíveis impactos comerciais dessas medidas. Questiona-se, por exemplo, o efeito do Pix sobre empresas do setor financeiro internacional, ou os limites que a LGPD pode impor ao uso de dados por grandes plataformas. Também há resistência à ideia de se estabelecerem regras locais para funcionamento de redes sociais.
O debate, no entanto, precisa ser conduzido com clareza. Ao buscar fortalecer sua presença digital de forma soberana, o Brasil não rejeita a cooperação internacional nem ameaça a liberdade de expressão. O que se propõe é a construção de normas compatíveis com os desafios contemporâneos: transparência na gestão algorítmica, segurança jurídica para empresas e proteção efetiva aos cidadãos. São temas que, longe de serem exclusivos do Brasil, vêm mobilizando democracias em diferentes partes do mundo.
O país tem buscado aprender com os próprios erros. Experiências anteriores, como a reserva de mercado para informática nos anos 1980, mostraram que proteger não é suficiente: é preciso inovar, integrar-se ao mundo e construir políticas eficazes. O cenário atual é distinto. As iniciativas mais recentes têm apostado em soluções abertas, tecnicamente sólidas e com impactos sociais positivos — como se vê no sucesso do Pix junto a pequenos empreendedores e na crescente adoção de práticas alinhadas à LGPD por empresas de diversos portes.
Em vez de se isolar, o Brasil tenta estabelecer parâmetros que respeitem sua realidade, sem abrir mão de convergência internacional onde ela for possível. O desconforto que isso possa gerar não deve ser lido como ameaça, mas como sinal de amadurecimento de um país que busca participar das decisões e não apenas segui-las.
A construção de uma soberania digital equilibrada passa, portanto, por responsabilidade pública, transparência regulatória e abertura ao diálogo. É um processo contínuo, que envolve não só governos, mas também sociedade civil, empresas e instituições científicas. Nesse sentido, os esforços brasileiros merecem ser analisados com sobriedade, não como gestos de ruptura, mas como tentativas legítimas de se adaptar a um mundo em transformação — sem perder de vista a autonomia, a democracia e o interesse público.
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