PENSAMENTO PLURAL Sonhando acordado, por Palmarí de Lucena
Em sua crônica, Palmarí aborda o movimento “woke”, cuja relevância é evidente nas mudanças que estão acontecendo ou prestes a acontecer no Brasil e mundo afora. “Apesar do seu impacto e contribuições para uma sociedade mais equitativa, é necessário traduzir seus instrumentos e objetivos para uma linguagem menos elitizada e mais compreensível pelas pessoas que almejam libertar da opressão do racismo, exclusão e desigualdade”, diz. Confira íntegra…
Acordei, é a tradução literal da palavra woke, passado do verbo wake, que significa acordar, despertar, tornou-se bem mais amplo, ser ou estar “woke”, quando usada para identificar posturas políticas, especialmente quando se trata de justiça social, inclusão e combate ao racismo, tornou-se ao mesmo tempo, a palavra de código de conservadores e direitistas caracterizarem tudo com que discordam ou demonizam. Munição letal nas batalhas culturais, que eventualmente transformam opositores políticos ou ideológicos em inimigos a serem derrotados ou eliminados.
Presidente republicano do Comitê de Supervisão do Congresso Americano, sugeriu que o colapso do banco SVB aconteceu porque era uma instituição “woke”, ou seja, daquelas que observam políticas de meio-ambiente, responsabilidade social e governança. Confrades caracterizaram a falência como efeito de males da diversidade, equidade e inclusão. Trump usou da oportunidade para afirmar que o erro foi provocado pela ênfase do banco de promover ideologia esquerdista/woke, em vez de práticas convencionais do setor bancário.
Nenhum destes pronunciamentos tem a ver com a causa atual do colapso do SVB, provocado pelo aumento de taxa de juro pelo FED – Banco Central Americano, investimentos de longo prazo em títulos do governo ou desregulamentação do sistema bancário. Evidentemente, o objetivo da extrema-direita não é resolver o problema bancário, a ideia é culpar pessoas, organizações ou empresas rotuladas de “woke”, por promover justiça e inclusão social, proteção ao meio ambiente e combate ao racismo.
Popularizada a partir da década de 2010, como uma expressão genérica, amplamente associada a políticas identitárias, feminismo, ativismo LGBTQIA+ e combate ao racismo sistêmico à exemplo dos movimentos “Me Too” e “Vidas Negras Importam”, nos Estados Unidos e Brasil. O termo woke começou a causar problemas de interpretação e uso, quando pessoas progressistas ansiosas por estabelecer suas próprias credenciais como bem-informadas, atualizadas, no lado dos oprimidos, estimularam o uso de mídias sociais como instrumentos de apoio ou denúncia, cultura de cancelamento, protestos contra “apropriação cultural” de comidas étnicas ou vestuário.
Incapacidade de distinguir entre auto-retidão e retidão, sinalização de virtude e virtude, criou um alvo perfeito para conservadores e direitistas, dando vazão a ataques contra a palavra woke. Minimizando esforços de corrigir inequalidades, demonstrando desinteresse em ajudar pessoas necessitadas ou mudar qualquer coisa, citando o termo pejorativamente em toda ou qualquer oportunidade. Acorda Brasil, tentou mobilizar a direita contra instituições democráticas, pauta de mudanças sociais e políticos progressistas, espelhando o Trumpismo e o direitismo americano, como um todo.
Obsessão direitista com a postura de “estar acordado” ou excesso de zelo de seus proponentes, podem subestimar ou mesmo derrotar seus relevantes objetivos. Provocando no mínimo, o que os pregadores do evangelho do extremismo menos almejam, que a população permaneça acordada no combate ao racismo, inequidade e exclusão. Retórica, terminologia esotérica ou vulgar, não são substitutos de ações da sociedade civil, instituições republicanas, força da persuasão moral de um povo unido e vigilante em defesa do estado democrático de direito.
Os textos publicados nesta seção “Pensamento Plural” são de responsabilidade de seus autores e não refletem, necessariamente, a opinião do Blog.