O escritor Palmarí de Lucena lembra, em sua crônica, que a expansão da Starlink no Brasil esbarra em preocupações sobre soberania tecnológica e legalidade. “Elon Musk, além de ser investigado nos EUA por acordos suspeitos com governos estrangeiros, enfrenta o STF brasileiro por descumprir ordens judiciais ligadas a perfis antidemocráticos. Sua empresa cresce na Amazônia, enquanto o país debate: até que ponto a conectividade justifica a submissão?”, indaga Palmarí. Confira íntegra…
O que parecia ser apenas mais um avanço da conectividade global está se tornando um embate frontal entre soberanias nacionais e o império digital de Elon Musk. A Starlink, braço orbital da SpaceX, já fornece internet via satélite em áreas remotas do Brasil — do interior amazônico ao sertão semiárido — e, por enquanto, com relativa adesão popular. Mas não é o sucesso técnico que inquieta: é o jogo geopolítico que o acompanha.
Desde sua autorização pela Anatel, em 2022, a Starlink rapidamente se tornou a principal provedora de internet de alta velocidade em regiões desassistidas. Sua proposta é tentadora: antenas fáceis de instalar, sinal potente e cobertura ininterrupta, mesmo no coração da floresta. Com milhares de unidades já ativas, inclusive em escolas públicas, o que parecia ser uma bênção se revelou, aos poucos, uma armadilha. O Brasil nunca participou da construção da tecnologia, não tem controle sobre os dados trafegados pelos satélites, e tampouco pode regular plenamente os termos de uso — é como se estivéssemos alugando o céu.
Mais do que um serviço, a Starlink representa o braço visível de um poder que se esconde sob o manto da inovação. E, nesse contexto, Elon Musk trocou o traje de visionário pelo de provocador. A crise se agravou quando o bilionário norte-americano, por meio da plataforma X (antigo Twitter, de sua propriedade), desferiu críticas abertas ao Supremo Tribunal Federal brasileiro, em especial ao ministro Alexandre de Moraes.
O confronto começou quando Musk se recusou a cumprir decisões judiciais que ordenavam a suspensão de perfis ligados a desinformação e discurso de ódio — muitos dos quais utilizados por grupos golpistas que atuaram na tentativa de subversão democrática em 8 de janeiro de 2023. Em resposta, Musk acusou Moraes de “censura”, disse que desrespeitaria as ordens judiciais e ameaçou “divulgar os bastidores” da relação do STF com as redes sociais.
O episódio ganhou repercussão internacional e reacendeu debates sobre soberania digital e os limites do poder das big techs. Moraes respondeu com firmeza, determinando a inclusão de Musk no inquérito das milícias digitais, alertando que “liberdade de expressão não é liberdade para o crime”. Foi um recado claro: o Brasil não será governado por algoritmos estrangeiros.
Nos bastidores, muitos se perguntam: como o mesmo Elon Musk que supostamente intercede junto a governos para firmar acordos comerciais envolvendo a Starlink — como denunciam os senadores democratas nos EUA — se dá o direito de desafiar instituições judiciais brasileiras? Que tipo de império é esse, onde o dono do cabo (ou melhor, do satélite) também quer ditar as leis do país onde atua?
Enquanto isso, a Starlink continua crescendo, agora com foco especial na Amazônia Legal. O governo Lula, num gesto ambíguo, já acenou com parcerias que envolvem conexão de escolas indígenas e monitoramento ambiental. A pergunta que paira é se o Brasil saberá impor limites ou continuará sendo espectador passivo da ocupação tecnológica de seu território.
Estamos diante de um novo colonialismo, mais sutil: não se impõe pela força das armas, mas pela dependência da banda larga. Um colonialismo onde os satélites substituem os canhões, e os dados se tornam a nova moeda de controle. Ao aceitar a Starlink sem regulamentação robusta, o Brasil abre mão de parte de sua soberania — não apenas no solo, mas no céu.
E, enquanto o STF tenta defender a Constituição com a espada da legalidade, Elon Musk, de seu castelo orbital, ri e reprograma o GPS da liberdade à sua maneira. Mas convém lembrar: nem todo visionário é benevolente, e nem todo satélite brilha em nome da luz.
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