PENSAMENTO PLURAL Time to cry for Argentina!, por Palmarí de Lucena
Em sua crônica, o escritor Palmarí de Lucena observa como “a polarização severa e a queda na qualidade democrática estão intrinsecamente conectadas. A sociedade se divide em campos opostos, incapazes de procurar um diálogo construtivo ou um terreno comum. A falta de consenso e confiança mútua entre os grupos políticos e a população em geral mina os pilares fundamentais da democracia. É o que acaba de acontecer na Argentina. Time to cry for Argentina!”. Confira íntegra de seu comentário…
A democracia está enfrentando um declínio preocupante, ao mesmo tempo em que a polarização extrema está se intensificando em diversos países ao redor do mundo. Na Argentina, por exemplo, os eleitores optaram por um caminho extremista de direita, sem um programa de reformas concreto. A má administração econômica por parte dos peronistas levou à desconfiança e ao desafeto com a política tradicional entre os jovens, que buscavam uma nova liderança política. Essa polarização radical e irreconciliável é o que os cientistas políticos chamam de “polarização severa”.
A Argentina não é o único país a enfrentar esse problema. A polarização tornou-se uma tendência global, afetando também países como Indonésia, Turquia e Israel. Segundo uma pesquisa do instituto Edelman Trust Barometer, o Brasil também está entre os países mais polarizados, correndo o risco de transição de uma polarização moderada para uma polarização severa. Os Estados Unidos, que costumavam ser um modelo de democracia liberal, também estão enfrentando o mesmo tipo de polarização.
Dados de opinião pública anteriores a 2014 mostram que os brasileiros tendiam a se posicionar como centro ou não se identificavam com nenhum dos polos ideológicos. Houve uma mudança significativa com o surgimento de uma nova direita nas ruas, no parlamento e na mídia. As eleições de 2018, que levaram Jair Bolsonaro ao poder, romperam com a centralidade do embate político, levando o país a um nível intolerável de polarização e desgoverno.
O risco da polarização na Argentina e em outros países é evidente. Estudos mostram uma clara queda na qualidade das democracias em países que optaram por líderes iliberais ou extremistas, ou até mesmo a perda do status de democracia. Fenômeno que leva ao aumento do apoio ao autoritarismo, fazendo com que os eleitores aceitem e legitimem um comportamento autoritário e antidemocrático de um líder messiânico.
Polarização ocorreu nos EUA devido ao acirramento de diferenças profundas entre republicanos e democratas, no que diz respeito a direitos civis, questões de gênero e saúde da mulher, políticas apoiadas pelo Partido Democrata, demonizadas pelo então presidente Trump e a direita religiosa. O Brexit e a questão da imigração, bem como a busca pela independência da Catalunha, provocaram fissuras sociopolíticas profundas no Reino Unido e na Espanha, levando ambos os países à beira do caos governamental, com sérias consequências para a economia e a estabilidade política.
O cientista político Pedro Henrique Marques, da UFMG, identifica dois tipos principais de polarização: “ideológica”, quando os eleitores adotam progressivamente posições mais extremas, e “afetiva”, quando o foco não está na ideologia, mas sim no ódio ao grupo político rival, mesmo que as pessoas não tenham um entendimento claro sobre ser de direita ou esquerda. Essa dinâmica de ódio mútuo pode levar à violência política.
A democracia floresce quando a divisão da sociedade está centrada em uma agenda partidária ou política, pois isso permite espaço para o debate. Quando a divisão ocorre apenas em torno do ódio e do afeto, o debate público se torna empobrecido, contaminado, com propensão ao desagregamento social. O povo argentino acaba de dar um salto no escuro, sem perspectiva de consenso sobre o futuro do país ou melhorias do bem-estar e qualidade de vida da população. Time to cry for Argentina!
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