PENSAMENTO PLURAL Traição à pátria: lições da história americana e a omissão do Congresso no Brasil, por Palmarí de Lucena

Dante condenou os traidores ao gelo eterno. Nos EUA, casos como Jonathan Pollard, que repassou segredos a Israel, e John Walker, espião da URSS, resultaram em prisão perpétua, mostrando que a traição é punida com rigor. “No Brasil, porém, parlamentares como Eduardo Bolsonaro e aliados usam o mandato para atacar instituições e buscar apoio externo, minando a economia e a reputação internacional”, diz o escritor Palmarí de Lucena em seu comentário. E ainda: “A omissão do Congresso transforma a democracia em terreno frágil, à mercê da conveniência política.” Confira íntegra…

Na Divina Comédia, Dante Alighieri reservou o nono círculo do inferno aos traidores — imersos em um lago de gelo, condenados ao silêncio eterno. Para o poeta florentino, nada era mais vil do que trair a própria comunidade em momentos decisivos da história. Séculos depois, a ideia de traição permanece como divisor de águas entre a discordância legítima e a negação do pacto democrático que sustenta uma nação.

Nos Estados Unidos, a Constituição define o crime de traição com precisão: declarar guerra ao país ou prestar auxílio aos seus inimigos. Não há margem para subterfúgios. O condenado perde para sempre o direito de exercer funções públicas e pode enfrentar desde prisão perpétua até a pena de morte. Em mais de dois séculos, apenas 40 pessoas foram formalmente acusadas, 13 condenadas e três executadas — número pequeno, mas que revela a dimensão da gravidade atribuída ao delito.

A história americana registra casos emblemáticos. Jonathan Pollard, analista da Marinha, foi preso em 1985 por fornecer segredos militares a Israel, aliado que, ainda assim, recebia informações de forma clandestina. Condenado à prisão perpétua, passou trinta anos encarcerado antes de obter liberdade condicional. John Walker, suboficial da Marinha, operou durante quase duas décadas como espião da União Soviética, entregando documentos que abalaram a segurança nacional; morreu cumprindo pena perpétua. O recado é inequívoco: mesmo diante de aliados ou afinidades políticas, trair a pátria é atravessar uma fronteira proibida.

No Brasil, o contraste é perturbador. O voto popular, que deveria ser pacto de confiança e responsabilidade, tem sido usado por alguns parlamentares como salvo-conduto. O caso do deputado Eduardo Bolsonaro e de seus aliados ilustra essa contradição: em vez de defender as instituições, transformam o mandato em instrumento de ataque ao Judiciário, endossando discursos de ruptura e até buscando respaldo em governos estrangeiros que aplaudem medidas injustas e arbitrárias contra o sistema de justiça brasileiro.

Os efeitos não se restringem ao plano político. A economia sofre com a instabilidade, investidores recuam diante da percepção de risco, e a imagem internacional do Brasil — construída ao longo de décadas como democracia confiável e emergente — é desgastada. Esse tipo de comportamento fragiliza não apenas a confiança interna, mas também a credibilidade externa, deixando o país vulnerável a pressões e a um perigoso jogo de appeasement diante de potências estrangeiras que veem vantagem na fragilidade institucional alheia.

Mais grave é a hesitação do Congresso Nacional. Mesmo diante de sinais claros de afronta ao Estado Democrático de Direito, a Casa tem se mostrado reticente em aplicar sanções e, por vezes, abriga debates sobre anistias que soam mais como acenos de cumplicidade do que como gestos de responsabilidade. O risco é que o Parlamento, em vez de ser o guardião da soberania popular, torne-se cúmplice da erosão das bases republicanas.

Dante, com sua visão do lago gelado onde jazem os traidores, oferece uma metáfora pungente: a traição congela o tempo e paralisa a esperança. A experiência americana mostra que a democracia se preserva quando a lealdade ao pacto constitucional é inegociável. O Brasil, contudo, ainda hesita diante de seus próprios traidores. A pergunta que ecoa, incômoda e urgente, é se aceitaremos que o mandato concedido pelo povo seja deturpado em arma contra a própria democracia.

 

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