PENSAMENTO PLURAL Três prisões, três democracias e um mesmo dilema, por Palmarí de Lucena

Em seu comentário, o escritor Palmarí de Lucena observa como a prisão de Sarkozy, Bolsonaro e Imran Khan evidencia como as democracias enfrentam o dilema de punir sem perseguir. “Embora distintos em contexto, os três casos revelam o mesmo desafio: aplicar a lei aos poderosos sem transformá-la em espetáculo”, diz. A legitimidade da Justiça depende não só das sentenças, mas da confiança pública de que as instituições agem com equilíbrio ético e sem viés político. Confira íntegra...

A prisão de Nicolas Sarkozy na França, o cerco judicial a Jair Bolsonaro no Brasil e o encarceramento de Imran Khan no Paquistão compõem um retrato simbólico do nosso tempo: líderes eleitos, de estilos e trajetórias distintas, confrontados pelo mesmo princípio — o de que o poder não isenta ninguém da lei. São episódios que, mais do que punições individuais, testam a maturidade das instituições e a resiliência das democracias.

Na França, a imagem de Sarkozy atravessando o portão de uma prisão teve a força de uma parábola republicana. A Justiça francesa não se curvou a biografias nem ao peso de antigos prestígios. Ao condená-lo por financiamento ilegal de campanha com recursos vindos da Líbia, reafirmou que a ética pública não pode ser relativizada pelo carisma político. Ainda assim, o episódio dividiu opiniões: parte da direita enxergou na sentença um gesto de politização judicial; setores da esquerda a celebraram como depuração moral. A verdade é que ambas as leituras coexistem em uma mesma democracia — uma que julga, mas também reflete sobre os limites do próprio poder de punir.

No Brasil, a condenação de Jair Bolsonaro por tentativa de golpe e a manutenção de sua prisão domiciliar revelam um país ainda em reconstrução institucional. Para uns, trata-se de um ato de afirmação do Estado de Direito diante de ataques à democracia; para outros, de um processo permeado por pressões políticas e simbólicas. A polarização nacional impede que o julgamento seja visto apenas pela lente jurídica — ele também traduz disputas de identidade e memória coletiva. Nessa encruzilhada, a Justiça enfrenta o desafio de equilibrar a aplicação da lei com a necessidade de não a transformar em instrumento de revanche.

Já no Paquistão, o caso de Imran Khan é marcado por maior complexidade. O ex-primeiro-ministro foi condenado em uma série de processos que somam décadas de prisão: três anos por vender presentes que pertenciam ao Estado, catorze anos no caso Al-Qadir Trust, acusado de obter benefícios pessoais em troca de favores oficiais, e dez anos por vazamento de segredos de Estado. Acrescem acusações de casamento “não islâmico” e incitação à violência em protestos. Seus advogados afirmam que os processos têm motivação política, e organismos internacionais, como a ONU, classificaram parte de sua detenção como arbitrária, em violação ao direito internacional. A situação paquistanesa evidencia a fragilidade das fronteiras entre poder civil, Judiciário e aparato militar — um ambiente em que a lei frequentemente reflete embates de poder mais do que princípios de justiça.

Apesar das diferenças de contexto, os três casos convergem em um mesmo ponto: a tensão entre a autoridade da Justiça e a percepção pública de legitimidade. Quando a sociedade acredita que o julgamento é justo, a democracia se fortalece; quando o interpreta como perseguição, ela se enfraquece. A essência do Estado democrático não reside apenas em sentenças, mas na confiança de que as instituições atuam sem preferências políticas nem viés ideológico.

O desafio contemporâneo não está em prender ou absolver, mas em preservar o sentido ético do processo. Sarkozy, Bolsonaro e Imran Khan pertencem a realidades distintas, mas todos simbolizam o mesmo dilema: como aplicar a lei aos poderosos sem convertê-la em espetáculo, e como assegurar a justiça sem transformá-la em arma política. O futuro das democracias — sejam consolidadas, em tensão ou em construção — dependerá da resposta que dermos a essa questão fundamental.

 

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