Discutir tributos no Brasil é discutir, inevitavelmente, os fundamentos de nosso pacto social. Quem paga? Quanto paga? O que recebe em troca? Essas perguntas ganham ainda mais urgência num cenário em que o país busca equilibrar suas contas sem sufocar o crescimento, garantir direitos sem comprometer a responsabilidade fiscal e corrigir desigualdades sem paralisar a máquina pública.
Nesse contexto, o novo arcabouço fiscal, aprovado para substituir o antigo teto de gastos, representa uma tentativa de conciliar sustentabilidade das contas públicas com sensibilidade social. Diferentemente do teto, que engessava o orçamento com base em parâmetros fixos, o arcabouço estabelece limites dinâmicos para o crescimento das despesas, vinculando-os à evolução das receitas. Em tese, trata-se de uma regra mais realista e flexível, capaz de acomodar investimentos e programas sociais dentro de uma lógica de equilíbrio.
Mas o arcabouço, por si só, não cria recursos. Ele apenas impõe disciplina sobre o uso do dinheiro existente. Para viabilizá-lo, o governo tem buscado ampliar a arrecadação, muitas vezes pela via mais imediata: a recomposição ou elevação de tributos indiretos, que incidem sobre o consumo, os serviços e o crédito. O problema é que essa rota recal, quase sempre, sobre a parte mais vulnerável da população, aprofundando distorções históricas.
Ao lado dessa realidade, é preciso considerar também o peso das emendas parlamentares ao Orçamento, especialmente as chamadas emendas impositivas, que tornaram obrigatória a execução de parte significativa do orçamento público por indicação direta de deputados e senadores. Na prática, isso enfraquece a capacidade de planejamento do Poder Executivo e fragmenta a alocação de recursos. Projetos estruturantes e políticas públicas de longo prazo muitas vezes são sacrificados para atender a demandas pontuais e pulverizadas, nem sempre submetidas a critérios técnicos ou alinhadas com prioridades nacionais.
Esse mecanismo – ainda que previsto constitucionalmente e com potencial de aproximar o orçamento das necessidades locais – tem sido utilizado, em muitos casos, como moeda de troca política, esvaziando o sentido de planejamento e comprometendo a efciência do gasto público. Em um país que busca desesperadamente racionalizar suas contas e aplicar melhor os tributos arrecadados, a proliferação desordenada de emendas pode gerar duplicidade de ações, desperdícios e distorções regionais.
Enquanto isso, o sistema tributário brasileiro continua profundamente regressivo: cobra mais, proporcionalmente, de quem tem menos. E, enquanto isso, parcelas significativas de patrimônio, heranças, lucros e dividendos permanecem pouco – ou nada — tributadas. O resultado é um ciclo de concentração de renda, baixa capacidade de investimento do Estado e desgaste da relação entre o contribuinte e o poder público.
A justiça tributária, portanto, passa por três eixos: a revisão das renúncias, a ampliação da progressividade e a melhoria da qualidade do gasto público. Tributar grandes fortunas ou reavaliar o imposto sobre lucros distribuídos não é demonizar o sucesso individual — é reconhecer que sociedades sustentáveis exigem contribuições proporcionais às capacidades de cada um. Ao mesmo tempo, o Estado precisa fazer sua parte: gastar melhor, com mais transparência, e devolver à sociedade em serviços de qualidade o que dela arrecada.
O arcabouço fiscal é uma moldura. Mas o que se pinta dentro dela depende de decisões políticas, coragem técnica e compromisso com o bem comum. Não se trata de punir quem produz ou premiar quem nada contribui, mas de desenhar um modelo que permita crescer sem desigualdade, investir sem irresponsabilidade e tributar sem injustiça.
O equilíbrio fiscal é importante, mas não pode ser fetiche. Deve ser instrumento para viabilizar direitos e promover oportunidades. E isso exige, mais do que regras, vontade política para revisar privilégios, enfrentar distorções e construir um sistema tributário que converse com o século XXI.
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