PENSAMENTO PLURAL Tudo mudou, menos a mudança, por Palmarí de Lucena

O Brasil de Bye Bye Brasil, de Cacá Diegues, permanece atual: mudou a tecnologia, mas não a essência. As ilusões que antes vinham da TV hoje chegam pelas telas digitais. Como observou Naipaul, seguimos presos a um passado que nunca se desfaz. Cazuza já exigia: “Brasil, mostra a tua cara.” Em seu comentário, o escritor Palmarí de Lucena vai evidenciar como: “Entre promessas repetidas e desigualdades persistentes, ecoa o mote: tudo mudou, menos a mudança.” Confira íntegra...

“O tempo passa, mas a estrada continua a mesma, apenas coberta por novas poeiras.”

Quando Cacá Diegues lançou Bye Bye Brasil, em 1979, parecia apenas narrar a aventura de uma trupe errante — Lorde Cigano, Salomé, Ciço e Dasdô — que atravessava o país em busca de público e sobrevivência. Mas, sob a lona mambembe e os televisores que roubavam plateias, estava um retrato pungente: o Brasil em trânsito, despindo-se do sertão para vestir a promessa de modernidade que chegava com as antenas de TV e as rodovias que cortavam a terra vermelha.

Décadas depois, revendo o filme, percebemos que a alegoria continua intacta. A estrada mudou de calçamento, mas não de destino. O que eram televisores se converteram em telas de celular; o que eram mágicas de circo, tornaram-se lives e discursos performáticos. Continuamos hipnotizados pelas imagens, consumindo promessas em série, enquanto a fome, a desigualdade e o desprezo pelas instituições insistem em reaparecer como pedras no caminho.

É nesse ponto que a leitura de V. S. Naipaul se insinua. O Nobel de Literatura, filho de indianos nascido em Trinidad, enxergava nas sociedades pós-coloniais um dilema: querem o brilho do progresso, mas carregam as sombras de um passado que nunca se desfaz. O Brasil parece ilustrar essa tese. Trocamos os mitos do “país do futuro” pelos slogans da vez; substituímos o rádio pelo smartphone; mas ainda tropeçamos na mesma desigualdade que nos persegue desde a colônia.

Não é por acaso que, na virada dos anos 80, Cazuza ergueu sua voz para perguntar: “Brasil, mostra a tua cara, quero ver quem paga pra gente ficar assim.” A canção ecoava a mesma incredulidade que atravessa a película de Diegues e os livros de Naipaul: quem somos afinal? Uma nação que muda de cenário, mas repete as falas? Um país que troca a vitrola pelo streaming, a praça pelo feed digital, mas mantém intacto o roteiro da ilusão?

O mote que ressoa — tudo mudou, menos a mudança — é o retrato dessa continuidade incômoda. As fachadas urbanas se erguem mais altas, os discursos políticos trocam de sotaque, as tecnologias aceleram a informação. Mas, no fundo, ainda esperamos que a próxima curva da estrada nos revele a redenção prometida.

Enquanto isso, a caravana segue, ora levantando poeira no asfalto, ora acendendo luzes de neon em praças esquecidas. E nós, como plateia, seguimos pedindo respostas, exigindo que o país finalmente se desvele, que tire as máscaras, que aceite olhar-se no espelho da sua própria história. Porque, parafraseando o poeta da canção, o Brasil precisa enfim mostrar sua cara — e, quem sabe, provar que um dia algo além da mudança também mudou.

 

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