Em seu comentário, o professor Emir Candeia defende uma pacificação nacional, que passa, segundo suas reflexões, pelo equilíbrio entre os poderes. “Quando um poder se agiganta, a democracia estremece. No Brasil atual, muitos cidadãos e parlamentares enxergam esse mesmo desequilíbrio entre os Três Poderes”, postula. Confira íntegra…
Tivemos um tempo em que o debate público deixou de ser um espaço de troca e passou a ser uma arena onde quem pensa diferente é tratado como inimigo. Em muitos ambientes — universidades, empresas, imprensa e redes sociais — formar opinião própria virou quase um ato de rebeldia. A mensagem implícita é simples e sufocante: ou você pensa como “eles” querem, ou será silenciado. Não é liberdade, é aprisionamento.
Quando um poder se agiganta, a democracia estremece. No Brasil atual, muitos cidadãos e parlamentares enxergam esse mesmo desequilíbrio entre os Três Poderes. O Supremo Tribunal Federal (STF), que deveria atuar como guardião da Constituição, vem sendo acusado de invadir competências do Legislativo e do Executivo, tomando decisões com peso de leis e interferindo em políticas públicas.
Diante disso, o Congresso reagiu com a chamada PEC da Blindagem, cujo objetivo central é recolocar limites constitucionais à atuação do STF, restaurando o equilíbrio que a Constituição de 1988 desenhou. Essa reação é uma defesa da democracia. Não existe democracia saudável com um poder hegemônico.
Lições da História: quando houve reação ao abuso. A História mostra que, sempre que um poder tenta dominar os outros, surge resistência para restabelecer o equilíbrio:
Inglaterra – Revolução Gloriosa (1688): o rei Jaime II tentou governar ignorando o Parlamento. O resultado foi sua deposição e a criação da Bill of Rights, que limitou os poderes reais e fortaleceu o Legislativo.
Estados Unidos – Caso Marbury vs. Madison (1803): ao criar o controle de constitucionalidade, a Suprema Corte americana delimitou seu papel, deixando claro que não poderia legislar, apenas julgar segundo a Constituição, é o desejo da maioria do Brasileiros.
Brasil – Constituição de 1988: foi escrita para impedir que um único poder concentrasse força total. Cada poder foi desenhado com funções próprias e limites rígidos.
Todas essas reações tinham o mesmo fundamento: o poder precisa de freios e contrapesos para não se tornar tirania.
Quando não há espaço para o diálogo, é preciso resistir. Quando uma turma tenta silenciar toda discordância, a alternativa não pode ser a rendição. Parlamentares brasileiros perceberam isso. Sentiram-se acuados: ou baixavam as armas e aceitavam um Judiciário cada vez mais legislador, ou reagiam.
Optaram por lutar — usando os instrumentos democráticos disponíveis: o debate, a tramitação legislativa e a mobilização da opinião pública. Essa luta não é contra a Justiça, é pela liberdade de expressão, pela separação dos poderes e pela soberania popular.
Conclusão — Democracia é equilíbrio, não submissão.
A PEC da Blindagem não quer destruir o STF. Ela quer algo mais nobre: recolocá-lo no seu devido lugar como poder moderador, e não dominador.
Assim como um barco precisa que todos os remos puxem na mesma direção, a democracia precisa que os três poderes se controlem mutuamente — e nenhum se declare dono do mar.
Porque quando um poder se agiganta e os outros se ajoelham, a democracia morre de pé. O que a PEC da Blindagem altera na Constituição:
Art. 14 — relativo a inelegibilidade.
Art. 27 — contém dispositivos sobre mandato de deputados estaduais e imunidades parlamentares.
Art. 53 — imunidade parlamentar.
Art. 102 — competência do STF, foro especial etc.
Art. 105 — competência do Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Tema o que a PEC muda. Inelegibilidade: A inelegibilidade só passa a vigorar depois de condenação em duas instâncias.
Imunidade material por palavras, opiniões e votos dos parlamentares teriam imunidade absoluta, ou seja, não poderiam ser objeto de processo judicial; só sanções internas seriam possíveis.
Processos criminais / foro privilegiado STF só pode abrir ação penal contra parlamentar se houver autorização prévia da respectiva Casa legislativa (Câmara ou Senado). Há prazos (90 dias) e votação secreta.
Prisão de parlamentares Só em flagrante de crime inafiançável. E, ainda assim, necessidade de referendo pelo plenário da Casa legislativa em até 24 horas. Se este referendo negar, a prisão é suspensa.
Medidas cautelares / custódia Medidas como bloqueio de bens, afastamento do mandato, etc., ficam condicionadas a regras específicas; instâncias inferiores ao STF perderiam competência para certas cautelares.
Foro ampliado Inclui os presidentes nacionais de partidos políticos com representação no Congresso entre aqueles com foro privilegiado.
Prescrição: Se a Casa negar autorização para processo, a prescrição fica suspensa durante o mandato. O que a PEC da Blindagem diz sobre anistia. Não há um dispositivo específico chamado “anistia”, mas existe um efeito equivalente na prática, que funciona como uma anistia indireta para determinados casos: suspensão de processos e prescrição — “anistia disfarçada”
A PEC estabelece que nenhum parlamentar poderá ser processado criminalmente sem autorização da Casa Legislativa (Câmara ou Senado). Se a Casa negar essa autorização, o texto diz que:
“ficará suspensa a prescrição enquanto durar o mandato”. (Art. 53, §4º do substitutivo)
Isso não extingue o crime (não é anistia formal), mas impede que o processo continue enquanto durar o mandato.
Resumo: É como dizer: “Enquanto eu for deputado, não posso ser julgado. Só depois do mandato.”
Se ele não perder o mandato por muitas legislaturas seguidas, na prática, nunca será julgado. Imunidade retroativa de palavras, votos e opiniões.
O novo texto afirma que palavras, votos e opiniões de parlamentares não poderão ser questionados judicialmente. Isso protege inclusive manifestações passadas, impedindo responsabilização civil ou penal por falas feitas no exercício do mandato.
Novamente: não usa a palavra “anistia”, mas cria uma blindagem retroativa — ou seja, anistia material para atos já praticados no âmbito de discursos, votações ou opiniões.
Diferença entre anistia formal e blindagem:
Anistia formal (tradicional) Blindagem (PEC)
Prevista no art. 5º, XLIII da CF (depende de lei específica) Inserida por emenda constitucional
Extingue os efeitos do crime passado Suspende processos ou impede o início
Vale para todos os cidadãos atingidos pelo ato Vale só para categorias específicas (parlamentares e líderes partidários)
Ou seja, a PEC não chama de “anistia”, mas seus efeitos funcionam como uma forma de anistia política preventiva.