A velhice no poder exige mais que reverência à experiência: impõe vigilância lúcida, transparência e protocolos cuidadosos, é o que comenta o escritor Palmarí de Lucena em seu texto. “Entre a lucidez e a fragilidade invisível, governar com idade avançada é desafio que transcende o indivíduo e alcança o destino coletivo, então, neste ensaio, proponho uma reflexão ética e serena sobre limites, deveres e a dignidade do comando”. Confira íntegra…
A longevidade humana, celebrada como conquista do século XX, transformou silenciosamente a paisagem do poder. Presidentes e líderes de Estado, como tantos outros cidadãos, passaram a exercer suas funções por mais tempo, desafiando limites físicos, cognitivos e institucionais que antes raramente se apresentavam nos salões do Executivo. Não se trata de preconceito contra a velhice, mas da constatação de que ela exige cuidados específicos — e, em alguns casos, escolhas difíceis.
Inspirado nas reflexões da médica e especialista em envelhecimento Dra. Louise Aronson, o debate sobre a saúde de presidentes idosos não deveria girar em torno de aparências ou partidarismos, mas sim da necessidade de incorporar à prática pública aquilo que a medicina já reconhece na vida privada: que o envelhecimento, embora natural, é acompanhado por riscos crescentes e uma variabilidade profunda entre indivíduos. Há quem envelheça com lucidez e vigor; há quem o faça com fragilidade invisível aos olhos.
A questão, portanto, não é se alguém com mais de 70 anos pode ou não governar. É como garantir que essa pessoa — revestida de poderes excepcionais — seja acompanhada com protocolos que combinem ciência, transparência e humanidade. A avaliação da saúde de um chefe de Estado deve ir além de exames de rotina ou da retórica da “boa forma”. É preciso considerar indicadores funcionais: força muscular, agilidade, capacidade cognitiva, risco de quedas e doenças silenciosas. Afinal, não se governa apenas com palavras, mas com atenção, raciocínio e responsabilidade.
Para quem ocupa o mais alto posto da República, as decisões clínicas têm implicações que ultrapassam o corpo individual. Um câncer detectado tardiamente, uma perda de memória disfarçada, uma queda mal explicada — tudo isso não afeta apenas a biografia de uma pessoa, mas o destino de uma nação. Por isso, cabe também discutir com franqueza os planos de contingência, a sucessão institucional e a manutenção da governabilidade em caso de eventos adversos.
Em geriatria, há um conceito essencial: “objetivos de cuidado”. Trata-se de conversar — sem tabu nem rodeios — sobre o que realmente importa em fases mais avançadas da vida. Quais sofrimentos são aceitáveis? Quais limites pessoais interferem na capacidade de seguir adiante? Essas conversas, comuns entre médicos e seus pacientes mais velhos, deveriam inspirar práticas também na esfera pública. Não para limitar direitos, mas para proteger a integridade do cargo e a confiança coletiva.
A resistência a tais diálogos não é nova. Muitos líderes, cercados por lealdades políticas e protegidos por convenções de sigilo, evitam ou adiam discussões sobre sua própria finitude. No entanto, assumir um cargo público é também renunciar a certa zona de conforto. A saúde do governante, quando compromete a condução do Estado, deixa de ser apenas uma questão pessoal. Transparência, aqui, não é invasão: é dever democrático.
Em vez de impor barreiras etárias — arbitrárias e excludentes —, seria mais sábio investir em cuidados personalizados, com base em evidências médicas, nas atribuições do cargo e nas condições reais do indivíduo. E, sobretudo, lembrar que, em política, como na vida, envelhecer é inevitável. O que não pode envelhecer é o compromisso com a responsabilidade e a lucidez.
Aliás, quem escreve estas linhas o faz com alguma autoridade no assunto — não por ser médico, mas por ter completado 83 anos sem esquecer a senha do computador, nem confundir o nome dos netos. O que, convenhamos, já é um tipo respeitável de governo.
(* Imagem acima do Imperador Maximino, constante do acerco dos Museus Capitulinos, em Roma)
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