
Em seu comentário, o professor Emir Candeia questiona como, no atual cenário político, “mandatos concentrados em poucas famílias”. E acrescenta: “O problema começa quando o Estado passa a servir ao projeto de famílias, e não ao interesse público.” Confira íntegra...
Quando olhamos para o cenário político atual, vemos a mesma cena se repetir: mandatos concentrados em poucas famílias. Deputado federal irmão de senadora, que é mãe do vice-governador. Prefeito pai de deputado federal. Deputado estadual irmão de deputado federal. Tudo girando em torno do governador e da máquina estadual e federal.
Não é coincidência, é modelo de poder. Como funciona a política de família. Famílias que acumulam cargos costumam agir em três frentes:
Usam o poder para se manter no poder – Controlam secretarias, diretorias, convênios, emendas, contratos e nomeações. Esses espaços viram moeda de troca: apoio em troca de empregos, obras e favores.
Transformam o Estado em trampolim eleitoral particular – Visitas oficiais viram palanque, inaugurações viram comício permanente. Recursos públicos são apresentados como “presente” daquela família, e não como direito pago pelo contribuinte.
Fecham a porta para quem está de fora – Quem comanda o governo concentra tempo de TV e rádio, cargos em Brasília e no Estado, além de uma rede de prefeitos, vereadores e cabos eleitorais dependentes dessa estrutura. A oposição entra na disputa com muito menos recursos.
Qual é o problema? O problema começa quando o Estado passa a servir ao projeto de famílias, e não ao interesse público. Quando a mesma rede familiar controla: Governo do Estado, Bancada federal e estadual,
Diretórios partidários com muito dinheiro público.
A República corre o risco de virar um condomínio familiar de luxo. As consequências são claras:
Baixa renovação de ideias – Com os espaços de poder ocupados, novas lideranças desistem ou se submetem. Em vez de discutir projetos, discute-se apenas quem será “o da vez” da mesma turma.
Confusão entre público e privado – O cidadão ouve: “Fulano trouxe a obra”, como se fosse dinheiro do bolso dele. Não é. É dinheiro do contribuinte, muitas vezes de quem nem votou naquele grupo.
Eleições com campo inclinado – A eleição existe, mas o jogo é desequilibrado. A máquina estatal funciona como um muro alto para proteger quem já está no poder.
Voto livre, disputa desigual – O voto é livre, mas a disputa nem sempre é justa.
O eleitor é bombardeado por propaganda oficial, obras concentradas em ano eleitoral e presença constante de quem ocupa a máquina. Quem está no governo fala com o povo todos os dias; quem está fora, quando consegue. Por isso, é preciso lembrar um princípio simples: O Estado não tem dono. Não é herança de família.
O que o eleitor deve observar:
Antes de votar, vale perguntar – Este cargo dá continuidade a um projeto para o Estado ou é apenas mais um degrau da mesma família? Esse candidato trata obra pública como dever ou como “favor pessoal”?
Também é papel do eleitor:
Separar serviço público de favor – Escola, estrada, hospital, programa social: tudo é pago com imposto. Governante não faz caridade; cumpre obrigação.
Exigir debate de propostas, não de arranjos familiares – Em vez de aceitar combinações entre governantes, prefeitos, deputados e senadores ligados por laços de sangue, o eleitor pode cobrar: planos claros para saúde, educação, segurança e desenvolvimento econômico em todo o Estado; metas e prazos; transparência em gastos e nomeações.
O único poder que não pode ser totalmente controlado por nenhuma família é o voto consciente. Famílias podem participar. Dominar, não. Parentes na política podem existir; o que não pode é a sociedade aceitar como “normal” que um pequeno grupo transforme o Estado em aparelho permanente de sua própria sobrevivência.
Isso não é estabilidade. É concentração de poder. E concentração de poder, em qualquer área, é perigosa. O eleitor às vezes demora a perceber porque o “produto” não é arroz nem feijão: é o futuro do Estado.
Conclusão: Os eleitores não são obrigados a aceitar que o governo seja um negócio de família. Sempre que um grupo usa o cargo público para montar a própria máquina eleitoral, mostra que confia mais na força da estrutura do que na força das ideias.
A resposta precisa vir de quem está acima de qualquer família, grupo ou partido: o povo.
Na próxima eleição, ao olhar para as fotos de campanha, vale fazer uma simples pergunta: Estou votando em um projeto para o meu Estado ou apenas renovando o contrato de uma família no poder?
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