QUINTA DO CONTO A noite de terça-feira
Messalina foi o nome de batismo da menina. Nome doce de se falar, de agradável sonoridade, mas, sobretudo, diferente. Quase um luxo. A menina tinha orgulho do seu nome singular, especialmente para quem vivia numa terra com tantas marias e josés, tão iguais, inclusive na sina.
Mas o desencanto teria de vir algum dia. E veio numa aula de catecismo, quando o padre Karl contou para a menina a história do seu nome. A história de Messalina, a célebre mulher do imperador Claudius, conhecida por seu furor sexual, com sua célebre façanha de ter relações com dezenas de soldados numa única noite, e ainda conspirar para matar o próprio marido, após se casar em segredo com um de seus amantes. Disso tudo a menina soube. E ficou muito triste.
Foi igualmente um choque para uma humilde família pobre e tão devota. Era uma maldição. Sem mais o que fazer após aquela terrível revelação, pai e mãe ficaram desolados. Não tinham como mudar o nome da menina. Não conheciam as leis, antes, as temiam. Imaginavam eles, como tantas gentes humildes acham, que as tais leis existem apenas para reprimir, especialmente os pobres.
Os ricos, bem se sabia, não precisavam de cumprir leis. As pessoas pobres cedo compreendem como as leis e o poder estão do mesmo lado. Quem tem o poder, tem as leis.
Assim, seus pais, José e Maria, cuidaram de orar pela alma da menina. Providenciaram muitas penitências, que é uma das formas de aplacar a ira dos céus, como bem se sabe. Então, passaram a chamá-la apenas de Messa. Um diminutivo que não fazia esquecer o nome inteiro, mas não tinha a rima maldita.
O autor pensará talvez que o nome de uma personagem determinará seu destino. É muito comum associarmos um nome a um determinado tipo de pessoa que conhecemos no passado, como se todas as outras pessoas com aquele mesmo nome tivessem o mesmo perfil e comportamento. Muitos autores começam uma história por um nome de personagem. É comum darem um determinado nome com um propósito secreto e, não raras vezes, até perverso, associando-o à sua aventura na história.
Bem, seja o que for, a verdade é que a menina cresceu Messa e, cumprindo a tradição familiar, tornou-se tão devota como seus pais sempre foram, ou talvez mais. Porque, provavelmente, tivesse o propósito de agir exatamente ao contrário da Messalina romana, e de desafiar a sina do nome.
Assim era Dona Messa, que, naquela noite, estava deitada ao lado do marido, na cama cheirosa, com os lençois novinhos de algodão engomados ainda há pouco. Eles conversavam como conversam marido e mulher.
Mas aquela era uma noite de terça-feira. Então, como de hábito, depois de atualizarem os assuntos do dia, benzerem-se umas tantas vezes, houve um momento em que marido e mulher ficaram em completo silêncio, num silêncio apenas quebrado pelo apito do guarda noturno, os miados aflitos de uma incômoda gata que parecia estar no cio, os grilos do quintal e a respiração levemente alterada dos dois. Era noite de terça-feira, afinal.
Ela não viu nem poderia ver. O quarto estava escuro. Mas anos de cumplicidade não deixavam dúvida: o marido abria a braguilha do pijama de tantas batalhas, com um leve roçar de dedos sobre o algodão. E, então, como se fizessem parte de uma partitura, ela entendeu ter chegado o momento de agir.
Ela puxou a camisola até a altura da cintura e, cuidadosamente, começou a desabotoar os botões da enorme calçola de cambraia branca, alvinha com o anil que usara na véspera. Do seu lado, o marido também acompanhava a movimentação dos elementos com alguma sofreguidão. Ouviu o leve tricotar dos dedos da esposa afastando os botões, com uma habilidade que só o tempo constroi.
E, então, quando ela finalmente concluiu a tarefa, ele veio arfando rápido e tão rapidamente montou nela. Iniciou logo o seu ofício de marido com toda a dignidade e a rapidez que as longas bodas de seu compadrio tornaram hábito.
Após breves e vexadas estocadas, ele encerrou sua execução com um leve staccato do corpo. E então, tão rápido como chegara, ainda arquejante, deixou a cidadela da esposa. Uma retirada veloz. Para um cristão de costumes tão radicais seria quase um pecado se demorar além do necessário nesses negócios da carne.
E, como se ficar nu fosse algo pecaminoso, ele apressadamente cuidou de vestir o pijama, abotoar a braguilha, já sem o cuidado de não fazer tanto barulho. Depois, tossiu. Era como se dissesse apenas boa noite.
Ela permaneceu perfeitamente imóvel todo o tempo do concerto. Algum acordo tácito entre eles parecia dizer que certos arroubos de arrebatamento não eram dados à mulher. Mas, mesmo parada, Dona Messa procurou, como das outras vezes, tirar daqueles poucos segundos o máximo possível de prazer, com o cuidado de não dar qualquer demonstração, para não melindrar o marido.
Nessas ocasiões, ela procurava até segurar a respiração para não denunciar seu estado de necessidade. E, enquanto ele vestia o pijama, ela também se recompunha. Aí, de olhos fechados, ela se via tomada por duas emoções fortes: o sentimento de culpa por querer tanto ter prazer, e a percepção do pecado que era entregar-se aos anseios da carne. Então, começava logo a orar e, não raras vezes, também choramingava a sua dor mais íntima.
Em meio ao torvelinho desses sentimentos, ela fazia as contas de quantos dias teria de esperar pela próxima sessão. A próxima terça-feira, quando colocaria lençois imaculadamente limpos e aromáticos na cama, vestiria a sua calçola branca de cambraia lavadinha de novo, como o pijama do piedoso esposo, um homem santo que não tolerava roupa com cheiro de suor, especialmente nas noites de terça-feira.
Naqueles instantes derradeiros, antes de pegar no sono, Dona Messa ainda era acossada por pensamentos impuros, que procurava não afastar com algum vigor. Não podia ser certo adormecer pensando no adolescente filho da vizinha, a companheira com quem ia todos os dias à missa das seis. Não podia ser certo imaginar aquele jovem entre suas pernas, como chegou a sonhar certa noite. Isso não era certo.
Dona Messa ainda era viçosa, apesar da idade, e ainda guardava os traços de beleza que fizeram da menina Messalina um objeto de admiração entre as pessoas da vila de pobres, inveja das suas colegas e cobiça de muitos homens. Ela sabia o quanto despertava desejos. Desde sempre. Essa percepção, se, de um lado, alimentava sua vaidade, de outro, fazia bramir sobre sua cabeça a espada da culpa. Ela, Messa, Messalina, não tinha direito.
A Messalina comprazia-se com os olhares de cobiça, mas a Messa sabia que seu destino seria sempre repelir esse desejo vulcânico. Ou cair nas profundezas que tanto temia, e contra as quais orava todos os dias. E orava porque os pensamentos sempre vinham. Como vinham ali, naquele momento, na forma do jovem vizinho, que ela algumas vezes flagrara com olhar de cupidez, que ele, embora talvez tentasse, não conseguia dissimular.
E por mais que ela lutasse contra, era a imagem do jovem sobre ela que sempre vinha naquelas noites, após seu castíssimo ofício com o esposo, que agora respirava levemente a caminho do sono dos puros. Como se viesse para completar o que o marido apenas iniciava. Uma imagem quente, pegajosa, talvez para responder a um anseio tão arcaico que escapava ao seu controle e discernimento.
Então, ela inutilmente apertava os olhos para tentar afastar aquele pensamento tão impuro, mas, ao mesmo tempo, tão necessário, quem sabe fundamental, para ter a mais perfeita dimensão de sua fronteira com o abissal.
Acossada pela tentação, temendo pela tentação, mas implorando por salvação, Dona Messa, que um dia fora Messalina, se benzia. Ao seu lado, o marido já ressonava alto. Daí a pouco, começava realmente a roncar com estridência. Era um bom homem, justo e seu fiel mantenedor. Foi o que ela ainda pensou, antes de finalmente adormecer, com a umidade dos sonhos mais caros de que tanto precisava para seguir esperando pelas noites de terça-feira.
(* ilustração da artista plástica Cris Peres)
(Conto extraído do livro Inventário das pequenas coisas, da Editora Albatroz)