Vai, Gabo, mas tua obra é imorredoura
O que posso dizer de Gabo, de Gabriel Garcia Marquez? Ele foi o escritor que mais me fascinou alguns tempos na minha formação de leitor latino-americano. “Cem Anos de Solidão” é insuperável. Impossível não se comover com seus personagens. Por isso, me confesso órfão com sua morte. Cem anos de ausência de um autor único, mágico, até insuperável.
Mas, antes que me emocione muito além dos cem anos, abro espaço para a cronista Reny Barroso, que escreveu algo realmente maravilhoso sobre Gabo. Ainda que tenha se fixado em “O Amor nos Temos do Cólera”, outra obra fantástica do engenho criativo de Gabo, enquanto me mantenho firme nos “Cem Anos…” De qualquer forma, o texto é fantástico. Gabo se foi, mas deixou uma obra imorredoura.
Confira na íntegra:
“Seu livro mais famoso é Cem Anos de Solidão. Mas peço licença, aqui, para exaltar uma outra obra prima, tão importante e genial quanto, mas que, por vezes, fica relegada à posição de “segundo melhor livro”. Falo de “O Amor nos tempos do cólera”, um obra primordial, perfeita pelos diálogos, pelas descrições, pelas cenas que são facilmente visualizáveis… Perfeita por ter sido escrita pelo gênio, Nobel de Literatura em 1982, Gabriel Garcia Marquez, o querido “Gabo”, falecido no dia 17 de abril deste ano. Perfeita porque ele mesmo, em certa entrevista, disse que esse era o “seu” livro…
Difícil citar a importância desse livro para a minha (modesta) formação literária. O li pela primeira vez ainda na adolescência. E voltei a devora-lo há pouco mais de um ano. Mal sabia eu que ainda seria capaz de me emocionar novamente com uma leitura. Mal sabia que o arrepio que senti a ler determinadas cenas ainda pudesse me surpreender.
“O amor…” é fruto da graça comum. Conta a história de um homem cuja esperança de poder viver o amor pela mulher de sua vida faz com que aguarde “53 anos, quatro meses e 11 dias” amando-a na alma sem conseguir concretizar seu sentimento. O livro é, sobretudo, sobre perdas, tristezas, e, principalmente, sobrevivência. A sobrevivência do ser humano e de seus sentimentos. A sobrevivência do amor e das lembranças.
Existem muitas formas de amar, algumas delas são egoístas, repentinas, bonitas, passageiras e eternas. A de Florentino e Fermina, protagonistas, é apenas sincera e pura. Para eles, o tempo é um detalhe insignificante. Ele não é escravo do tempo ou de qualquer outra coisa, pois sabe com exatidão o que quer. Traça sua meta e, livre, espera o tempo que for necessário para alcançá-la, a despeito do que se espere dele. “Tinha que ensiná-la a pensar no amor como um estado de graça que não era meio para nada, e sim origem e fim em si mesmo”
“O amor…” é um livro extremamente delicado que transcende os limites da narrativa e consegue falar de algo muito mais sensível e relevante: os sentimentos e as sensações que acumulamos ao longo da vida. A lembrança que Florentino tinha de um sentimento nunca consumado foi o bastante para que conseguisse alimentá-lo por longos anos. Mesmo distantes e vivendo realidades completamente diferentes, Florentino e Fermina conseguiam reconhecer um no outro a beleza do que viveram, sem deixar que o tempo ou os fatos diminuíssem a importância daqueles acontecimentos em suas vidas.
Em determinado momento, Gabo diz: “Era ainda jovem demais para saber que a memória do coração elimina as más lembranças e enaltece as boas, e que graças a esse artifício conseguimos suportar o passado”. De minha parte, guardo ótimas memórias dos livros que li de Garcia Marquez. Guardo a perfeição de sua narrativas longas, com poucas pausas, mas que eram devoradas de forma faminta letra por letra. Guardo a força de suas personagens. A beleza de seus amores. A intensidade de suas paixões. A verdade da história que nos passava…
Marquez morreu aos 87 anos. É (pois me recuso a tê-lo no passado e, afinal de contas, ele vive através de suas obras, portanto, já é imortal), considerado um dos autores de língua espanhola mais populares desde Miguel de Cervantes. Afama literária extraordinária que alcançou em vida é comparável a de Mark Twain e Charles Dickens.
Gabo se foi. Ficou sua luta, sua amizade com Fidel, sua genialidade ao criar o “realismo fantástico”. Ficaram as ruas de Macondo (cidade que criou e imortalizou em Cem Anos de Solidão). Ficou a pureza do seu amor, seja nos tempos do cólera, seja nas glorias das guerras…
Gabo se foi… Como ele mesmo escrevera em “Carta de Despedida”, “a morte não chega com a velhice, mas com o esquecimento”. Portanto, me encho da certeza de que a morte jamais alcançara o escritor colombiano… Ele se foi. Mas, ainda assim continua sendo Gabriel Garcia Marquez, continua sendo o querido Gabo!”