PENSAMENTO PLURAL O espelho digital, por Palmarí de Lucena
O passado é recriado na era digital, onde memórias são reinterpretadas e disseminadas pela tela. A cidade de ontem ressurge sob novos olhares, conectando tempos distantes. “Entre memes e manchetes efêmeras, fragmentos de história encontram leitores atentos ou dispersos, em um ciclo contínuo de lembrança e esquecimento”, este o mote da mais recente crônica do escritor Palmarí de Lucena. Confira íntegra…
Na vastidão das redes, cada publicação é um fio na teia do grande mosaico contemporâneo. Textos, imagens, vozes e silêncios se entrelaçam num fluxo contínuo de memórias, debates e exibições, onde o íntimo se mistura ao coletivo, e o efêmero se perpetua com um simples toque.
A história ressurge nas palavras de quem recorda. Pequenos fragmentos do passado se espalham pela tela, recriados e reinterpretados por novas perspectivas. O que foi vivido é revisitado sob a ótica do presente, onde a cidade de ontem se redefine através dos olhos de hoje. Lições de tempos distantes se cruzam com leitores atentos ou desavisados, dispersos entre memes efêmeros e manchetes passageiras, em um fluxo constante de memória e esquecimento.
Na literatura, os escritores navegam entre a arte e a necessidade de serem lidos. Divulgam seus livros como pescadores lançando redes ao mar, esperando que o acaso traga bons leitores. Poetas transformam a linha fria da tela em um espaço para a subjetividade, onde versos encontram abrigo na rapidez do scroll. Mas o instante poético resiste ao ritmo apressado — quem para para ler um poema talvez busque mais que palavras.
As imagens, por sua vez, compõem um diário visual da existência. Em eventos, encontros e viagens, a fotografia não apenas registra, mas afirma uma presença. O momento vivido não é suficiente: precisa ser compartilhado, amplificado, validado pelos olhos alheios. O cenário pode se desfazer na repetição de rostos e poses, mas, para cada autor da cena, há um sentido único — um desejo de permanência, um vestígio digital do instante que se esvai.
O humor escapa por entre os dedos, às vezes leve, às vezes ácido. A ironia encontra solo fértil, e o riso, mesmo solitário diante da tela, ressoa no coletivo. Mas o que diverte uns pode desconcertar outros, pois, no território virtual, cada recepção é um reflexo do leitor.
A política emerge com pesos diferentes. Há os que a enfrentam como campo de batalha, onde cada comentário é uma trincheira; há os que a evitam, por cansaço ou prudência; e há os que, entre um e outro extremo, tentam ainda manter diálogos sem que as palavras se tornem armas.
A espiritualidade aparece como sussurro, menos frequente, mas presente. Pequenos gestos de fé, frases de consolo, um desejo de que algo maior se revele em meio ao caos. Mas há também o ceticismo, a dúvida exposta como argumento e a busca incessante por sentido, seja na crença ou na negação dela.
O tempo, nessa arena digital, sofre um deslocamento curioso: o que nasce como novidade rapidamente envelhece, e o que foi esquecido pode ressurgir com força inesperada. Uma lembrança de anos atrás pode ser revivida como se fosse de ontem, uma polêmica passada pode voltar a inflamar debates. O presente se dissolve entre o imediato e o resgatado, enquanto o futuro se molda na velocidade das reações. Tudo se move, mas nada desaparece por completo.
No final, as redes sociais são mais do que janelas abertas para o mundo: são espelhos. Refletem desejos, ansiedades, sonhos e inquietações. No espaço virtual, cada um molda sua presença, escreve sua narrativa, projeta sua identidade. E, entre curtidas e deslizes, a pergunta permanece: o que realmente vemos, e o que nos escapa na velocidade de um toque?
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