PENSAMENTO PLURAL Quintas-colunas e camisas verdes: ecos do passado na formação da juventude, por Palmarí de Lucena

Entre memórias fardadas e ecos de doutrinas passadas, ressurge a velha tentação do pertencimento cego, agora digital e re-embalada em discursos simplificadores. É o tema do comentário do escritor Palmarí de Lucena. “Quando a juventude troca o pensamento crítico por juramentos ideológicos, a ameaça deixa de ser política e se torna civilizacional e, em tempos de ruídos, educar para o dissenso é o mais urgente gesto democrático”, postula. Confira íntegra…

Nos subterrâneos da história brasileira, ecoam vozes que, embora abafadas pelo tempo, ainda encontram ouvidos atentos entre os jovens que buscam direção em tempos incertos. Nos anos 1930, essa busca se expressava em uniformes, hinos e juramentos de fidelidade — tanto ao Reich quanto à ideia de uma pátria moralmente regenerada. Hoje, assume novas formas, mas mantém a essência: oferecer pertencimento, clareza e uma promessa de ordem num mundo fragmentado.

Na época, as colônias germânicas do sul cultivavam, por meio do Bund Deutscher Mädel, valores de um império estrangeiro. Enquanto isso, o temor ao bolchevismo justificava repressões e autoritarismos. No meio desse cenário, surgia o integralismo brasileiro, que, sob a liderança de Plínio Salgado, ergueu seu próprio projeto de salvação nacional. Uniformes verdes, saudações ritualísticas e escolas doutrinárias desenhavam um Brasil alternativo, onde o Estado e a fé caminhavam de mãos dadas, e o dissenso era visto como ameaça à ordem natural das coisas.

Com o passar das décadas, essas matrizes autoritárias não desapareceram — apenas se transmutaram. Retornam hoje sob a forma de símbolos reciclados, palavras de ordem reconectadas ao presente e comunidades digitais que reproduzem, com novos meios, antigas certezas. Nas redes sociais, nos fóruns e nos discursos inflamados, consolidam-se pequenos laboratórios ideológicos. Muitas vezes, essas arenas não fomentam debate, mas adesão irrestrita. Não incentivam o pensamento crítico, mas a repetição de fórmulas simplificadoras.

É legítimo — e até necessário — que existam movimentos de contestação. A vitalidade democrática se mede, em parte, pela pluralidade de ideias e pela disputa aberta de visões de mundo. Mas há uma fronteira delicada entre o pensamento conservador e a conversão ideológica acrítica, entre o engajamento cívico e a militância intolerante.

A história brasileira, com suas quintas-colunas reais ou simbólicas, ensina que o maior risco não está na força bruta, mas no apelo emocional das certezas absolutas. O uniforme pode ter mudado, mas a tentação do pertencimento cego permanece. E, quando ela se espalha entre jovens bem-intencionados, muitas vezes por meio de doutrinações travestidas de patriotismo, o problema deixa de ser político e passa a ser civilizacional.

A vigilância, nesse caso, não deve vir pela repressão, mas pelo compromisso com a educação crítica, com o resgate da complexidade e com a valorização do dissenso como parte constitutiva da vida democrática. Não se trata de interditar ideias — mas de evitar que elas se tornem dogmas. A pergunta que se impõe, então, não é quem são os novos integralistas — mas o que permitimos que se naturalize como verdade única em nome de uma causa.

Em tempos de ruídos, talvez o maior gesto democrático seja ensinar a escutar — inclusive o que nos desagrada — e formar cidadãos capazes de pensar além da próxima palavra de ordem. O desafio não é calar o grito, mas iluminar o silêncio que o antecede.

 

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