Mais uma carta concebida pelo escritor Palmarí de Lucena, utilizando personagens da história. No texto, Palmarí cita uma uma eventual carta apócrifa de Washington Luiz para o Governador João Azevedo. Diz: “João Azevêdo exibe vitrine robusta: rodovias, travessias urbanas, adutoras e hospitais elevaram saúde, educação e equilíbrio fiscal na Paraíba. Contudo, traduzir obras em votos exige costura fina: prefeitos oscilam, Republicanos e PL avançam, Veneziano e Efraim disputam o mesmo eleitor, e alianças fragmentadas ameaçam sua projetada corrida ao Senado em 2026. Falta-lhe narrativa popular e carisma partidário para consolidar hegemonia”. Confira íntegra…
Palácio Guanabara, onde o asfalto se encontra com a história
Excelentíssimo senhor
João Azevêdo Lins Filho
Governador do Estado da Paraíba,
Meu caro João,
Permita-me, do outro lado da ampulheta, partilhar uma trilha de memórias que talvez o ajude a transformar pedra em bússola. Sei que hoje o chamam de “governador realizador” — afinal, sob seu comando brotaram centenas de quilômetros de rodovias, travessias urbanas que desafogam o trânsito, adutoras que fazem a caatinga florir e hospitais que elevam nossos indicadores de saúde e educação. Contas públicas equilibradas sustentam esse ímpeto, e não há dúvida de que a Paraíba colhe frutos concretos do seu trabalho. Ainda assim, percebo que o senhor luta para converter tais obras em capital político consistente: prefeitos migram, alianças se fragmentam e a estrada que leva ao Senado parece, por ora, mais sinuosa do que pavimentada.
Nas pegadas do que vivi, descobri três verdades que talvez lhe sejam úteis.
Primeiro, a estrada só emociona quando se conta a história de quem percorre seus quilômetros. Produtores que vendem o café antes de esfriar, mães que agora chegam ao parto sem perder a esperança, estudantes que trocam a lama pela aula — é nelas que o pavimento vira romance. Conte essas vidas sempre que cortar uma fita: ninguém vota no caminho, vota no destino que ele possibilita.
Segundo, obras sólidas não frutificam em solo político ressequido. No afã de concluir trechos e viadutos, abandonei a vaidade de prefeitos e deputados; quando precisei deles, encontrei-os abrigados em sombras alheias. Aprendi então a dividir mérito — placas com mais de um brasão, fotografias com mais de um sorriso — porque quem ajuda a erguer uma ponte hesita em incendiá-la depois.
Terceiro, todo entardecer dourado pode chamar nuvens. A crise de 1929 secou cofres e taxou meu prestígio; sobrevivi porque mantivera reservas morais e fiscais e porque cultivara o hábito de ouvir críticas antes que virassem vendaval. Guarde caixa forte e humildade na mesma gaveta: contas equilibradas são guarda-chuvas, e a escuta sincera transforma relâmpagos em clarões úteis.
Assim, meu amigo, entrelace essas três veredas numa única via narrativa: histórias que encantem, alianças que protejam e prudência que resista à tempestade. Quem pavimenta estrada visível conquista viagens melhores; quem pavimenta estrada invisível — a da confiança — conquista corações. E é nesses dois leitos, concreto e persuasão correndo lado a lado, que se chega a qualquer destino, inclusive ao Senado.
Receba o conselho de um velho estradeiro que aprendeu mais com os buracos do que com as pontes:
Com estima sincera,
Washington Luís Pereira de Sousa
(que pavimentou sonhos — e tropeços)
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