PENSAMENTO PLURAL As sombras da democracia e o eco na loja de informática, por Palmarí de Lucena
Em sua crônica, o escritor Palmarí de Lucena revela que estava em loja de informática, quando testemunhou a vitória de Trump ressoando como resistência silenciosa ao globalismo. “Um senhor celebrava, jovens observavam, e a política americana influenciava as inquietações brasileiras. A democracia enfrenta desafios locais e globais, exigindo vigilância e compromisso para preservar liberdades diante da ascensão de retóricas autoritárias”, postula Palmarí. Confira íntegra…
Durante uma visita a uma loja de informática, testemunhei uma cena que refletia as inquietações do nosso tempo. Um senhor brasileiro, rosto marcado pelo tempo, comemorava a vitória de Trump como se fosse um triunfo pessoal contra os “globalistas”. Curioso, perguntei quem seriam esses globalistas, mas ele se calou, deixando a questão no ar, envolta em mistério.
Ao redor, três funcionários jovens observavam em silêncio, mas suas expressões sugeriam simpatia pela fala do senhor. Aquele pequeno espaço de monitores e cabos parecia encapsular uma resistência silenciosa à globalização — uma ideia vaga, mas carregada de receios e desconfianças. Não era apenas sobre política; era sobre identidade e um anseio de preservar algo que, para eles, parecia estar se perdendo em um mundo cada vez mais interconectado.
A vitória de Trump ressoava com uma força inesperada. Conhecido por sua retórica divisiva, ele retorna ao poder nos Estados Unidos acompanhado por uma comitiva que, no desprezo pelo Estado de Direito e pela liberdade, ameaça valores democráticos não só em seu país, mas globalmente. Esse evento, que para alguns parece distante, simboliza uma crise democrática com implicações em cada canto do mundo, até em uma pequena loja de informática.
A retórica de Trump alimenta o autoritarismo onde a democracia já vacila. Líderes autocráticos, inspirados por sua vitória, veem nela uma justificativa para suas próprias ambições antidemocráticas. Se a democracia pode enfraquecer no “berço da liberdade,” por que seria imune em outros lugares? Diante dessa realidade, muitos buscam agentes externos como culpados — a Rússia, por exemplo, com suas já conhecidas interferências. Contudo, a responsabilidade última é dos eleitores americanos. Agora, cabe a eles e a todos nós proteger as liberdades e preservar a democracia.
A pergunta que ecoa é: o que fazer? Este momento exige compromisso com a resiliência democrática. É imperativo que o mundo aprenda com essa experiência e fortaleça suas liberdades civis e instituições, promovendo valores que unam, ao invés de dividir. A liderança de Trump, embora impulsiva, carrega um poder de influência perigoso, e sua retórica populista aumenta a urgência de defender os princípios democráticos.
Ao sair da loja, aquele episódio continuava a reverberar em minha mente. A simpatia pelo anti-globalismo, o olhar atento dos funcionários, o entusiasmo do senhor — tudo parecia refletir algo maior: uma luta silenciosa e profunda por controle, identidade e pertencimento. Entre prateleiras de tecnologia, monitores e teclados, ecoava uma preocupação com o futuro e o papel que todos desempenhamos na preservação das liberdades.
No Brasil, a democracia também enfrenta desafios próprios. Com um Legislativo fortalecido por emendas parlamentares e a ascensão de pautas direitistas, cresce a influência de agendas que visam limitar direitos e transformar valores seculares em normas políticas. Ao mesmo tempo, a “evangelização” da democracia brasileira — onde setores religiosos buscam moldar as políticas públicas conforme suas doutrinas — coloca em risco a pluralidade e a laicidade que devem ser pilares de qualquer democracia.
Esse contexto, inspirado e ampliado pelo fenômeno Trump, exige vigilância e mobilização dos que prezam por uma sociedade inclusiva, onde as instituições permaneçam comprometidas com a liberdade e o respeito às diferenças.
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