Em sua crônica, o escritor Palmarí de Lucena observa como as guerras comerciais visam proteger a economia nacional, mas geram impactos imprevistos. “Tarifas elevam preços ao consumidor e reduzem a competitividade. Retaliações internacionais agravam crises, como ocorreu com a Lei Smoot-Hawley”, pontua, e acrescena: no mundo globalizado, conflitos comerciais desestabilizam mercados e diplomacia. O protecionismo pode parecer solução rápida, mas seus efeitos são profundos e duradouros. Confira íntegra…
As disputas comerciais frequentemente evocam argumentos em defesa da soberania econômica e da proteção da indústria nacional. No entanto, a história demonstra que tais medidas podem gerar impactos negativos imprevistos, comprometendo consumidores, produtores e o equilíbrio geopolítico.
A imposição de tarifas protecionistas anunciada pelo ex-presidente Donald Trump ilustra esse dilema. A elevação de tributação sobre importados do México, Canadá e China busca impulsionar a indústria nacional, mas resulta no aumento dos preços ao consumidor. A expectativa de inflação pode levar à estocagem de produtos, agravando pressões econômicas.
Historicamente, o protecionismo gera reações adversas de parceiros comerciais, que impõem tarifas em retaliação. Esse ciclo prejudica a competitividade das indústrias locais, sobretudo as que dependem de insumos estrangeiros, como o setor automotivo. Como alertou o ex-secretário de Estado Cordell Hull, “uma tarifa protecionista proibitiva é uma arma que dispara contra nós mesmos”.
A Revolução Industrial no século XIX já demonstrava os riscos do protecionismo. A redução dos custos de produção agrícola permitiu a exportação de grãos baratos das Américas para a Europa, provocando tarifas protecionistas em países como França e Alemanha. Nos Estados Unidos, a mecanização agrícola levou a um aumento da produtividade e à redução de preços, incentivando fazendeiros a pressionar por barreiras comerciais, culminando na Lei Smoot-Hawley em 1930.
Na época, mais de mil economistas alertaram o presidente Herbert Hoover sobre os riscos dessa política. Apesar disso, a lei foi sancionada, contribuindo para a retração do comércio global e agravando a crise econômica. Os produtos americanos foram boicotados e a imagem do país deteriorada. Além disso, a tarifa dificultou a recuperação da Alemanha no pós-guerra, ampliando tensões que contribuiriam para a Segunda Guerra Mundial.
O economista Albert Hirschman destacou que guerras comerciais intensificam ressentimentos nacionais e fortalecem discursos populistas e nacionalistas. Esse tipo de conflito pode extrapolar o campo econômico e se tornar uma ferramenta de mobilização política.
Na segunda metade do século XX, os EUA buscaram reverter a fragmentação comercial das décadas anteriores, liderando iniciativas para redução de barreiras. A criação do FMI, da OMC e de sucessivas rodadas do GATT ajudaram a reduzir as tarifas globais de quase 30% para cerca de 5%.
Os riscos de uma guerra comercial no contexto atual podem ser ainda mais graves do que na década de 1930. A globalização ampliou a interdependência econômica, tornando as cadeias de suprimentos mais vulneráveis a choques tarifários. Além de impactar balancetes comerciais, esses conflitos podem desestabilizar relações diplomáticas e, em cenários extremos, contribuir para disputas geopolíticas.
Um fator pode, no entanto, mitigar o risco de uma guerra comercial total: a crescente participação dos americanos no mercado financeiro. Hoje, grande parte da população investe em ações e fundos de aposentadoria, tornando-se mais sensível às oscilações do mercado. Isso pode explicar a hesitação na adoção de medidas tarifárias mais severas, uma vez que o desempenho da bolsa de valores tem sido um termômetro importante da política econômica recente.
O histórico das guerras comerciais sugere que, embora possam parecer uma solução rápida para desafios econômicos internos, seus impactos são imprevisíveis e duradouros. Com a interconexão econômica global, o protecionismo pode gerar custos que ultrapassam as tarifas impostas, reverberando sobre mercados, política e relações internacionais.
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